Conceitualmente, o “parto normal” é o tradicional parto vaginal assistido em ambiente hospitalar, no qual são utilizados todos os procedimentos e intervenções protocolados como “de rotina”.

Entre estes procedimentos estão: a raspagem sistemática dos pelos pubianos (tricotomia), uso da sonda vesical para esvaziar a bexiga, jejum completo de pelo menos seis horas, lavagem intestinal pré-parto (enema), punção venosa permanente, intervencionismo na assistência durante todo o trabalho de parto – tanto na administração mais liberal de recursos medicamentosos (analgésicos, anestésicos, sedativos, ocitócicos para estimular, por vezes, indevidamente as contrações) quanto nos toques vaginais repetitivos, rotura antecipada e artificial da bolsa das águas (amniotomia), episiotomia (corte no períneo) ou até mesmo a aplicação do fórceps rotineiro desnecessário.

A parturiente em geral permanece deitada de barriga para cima no leito ou sobre a mesa de parto, com as pernas elevadas e apoiadas nas perneiras, sem poder caminhar ou adotar posições que lhe pareçam mais confortáveis e facilitadoras para o parto. Ademais, o ambiente cirúrgico sob ar condicionado e excesso de iluminação, a ausência de um acompanhante e a falta de privacidade, “esteriliza” o clima emocional adequado àquele tão significativo momento.

No período mais avançado do trabalho de parto, mesmo estando hoje absolutamente contraindicada, ainda se faz uso da Manobra de Kristeller, quando um dos membros da equipe faz compressão intensa do fundo uterino, na intenção de “auxiliar” a contração uterina. Sua aplicação cria sérios riscos, podendo causar rotura de órgãos como útero e fígado da parturiente.

Assim, o chamado “parto normal” deixa de ser um evento fisiológico e ocorre sob grande número de interferências como as acima mencionadas, embora muitas delas já sejam reconhecidas como desnecessárias ou mesmo prejudiciais pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Parto humanizado

“Humanizar o parto é um conjunto de condutas e procedimentos que promovem o parto e o nascimento saudáveis, pois respeita o processo natural e evita condutas desnecessárias ou de risco para a mãe e o bebê”. (OMS, 2000)

É no início da década de 70, com a divulgação dos princípios preconizados por Frederick Leboyer, médico francês da Clínica Obstétrica de Faculdade de Medicina da Universidade de Paris, na sua obra Por um Nascimento Sem Violência que se passou a questionar o excesso de intervenção médica em um momento existencial que deveria ser natural, o parto e o nascimento. Através dessa nova visão e atitude mais atenciosa com o bebê na cerimônia do nascimento, lançou-se um novo olhar para a mulher que estava vivenciando tão intensa e complexa experiência. Neste momento surge o conceito do parto humanizado.

De acordo com o Manual Técnico de Assistência Pré-natal do Ministério da Saúde do Brasil- 2000, “a humanização da assistência ao parto pressupõe a relação de respeito que os profissionais de saúde estabelecem com as mulheres durante o processo de parturição” e envolve conceitos como considerar a naturalidade do parto – que não requer condutas intervencionistas -, levar em conta as necessidades, os valores individuais e os sentimentos da parturiente, reconhecendo o seu protagonismo durante toda a gestação, parto e nascimento.

Ainda conforme o manual, seria “direito da mulher a escolha do local do nascimento e o apoio para a presença de um acompanhante que a mesma deseje, e também promover o bem estar físico e emocional durante todo o processo, desde a gestação até o nascimento, bem como aceitar a sua recusa a certas condutas que lhe causem dor ou constrangimento”.

“Humanizar o parto é respeitar e criar condições para que todas as dimensões do ser humano sejam atendidas: espirituais, psicológicas, biológicas e sociais.” (Largura, M.L. – 1998).

Diferenças do parto humanizado para a mãe e bebê

Devemos também estabelecer e diferenciar o que é o parto humanizado sob a ótica da mãe, do que é a humanização do nascimento para o bebê. Para ele a humanização envolve condutas delicadas ou não agressivas, no momento em que chega no seu “mundo de fora”, em um ambiente propício, aconchegante, dando o devido tempo para cortar o cordão umbilical para que aprenda a respirar com seus pulmões e se adaptar às novas condições no mundo.

Deve ser evitada a aspiração sistemática do nasofaringe nos recém-nascidos normais e em boas condições. Na sequência, é oferecido o colo materno à criança, para o primeiro contato pele-a-pele, cuidando de adaptar previamente a temperatura da sala, assim como dar a oportunidade de sugar o peito da mãe ainda na primeira hora de vida, conforme preconiza a OMS, objetivando fortalecer o vínculo afetivo mãe-bebê e criar defesas imunológicas mais eficientes para o recém-nascido. Atitudes simples que tantos benefícios trazem para ambos.

Para a mãe, no parto humanizado, ao contrário do que ocorre no parto normal, cada intervenção é aplicada apenas quando se faz necessária, com os procedimentos não seguindo protocolos rígidos pré-determinados.

No parto humanizado há de se respeitar toda fisiologia do processo da gestação e da parturição. Os cuidados se iniciam desde o pré-natal, quando avaliamos a saúde da gestante e vamos preparando-a emocionalmente para compreender a experiência do gerar e do dar à luz, e assumir o seu novo papel de mãe.

Durante todo tempo do trabalho de parto, a parturiente – principal protagonista – deverá ter amplo suporte físico e emocional da equipe obstétrica, respeitando sua privacidade e sempre que possível, com liberdade de posição e mobilidade. Na posição vertical, como de cócoras e sobretudo enquanto caminha, a gestante conta com a ajuda da gravidade e intensifica a eficiência das contrações e o seu esforço, minimizando as chamadas “dores do parto”, acelerando o procedimento, encurtando significativamente o tempo do trabalho e contribuindo para promover seu bem estar físico e psicológico.

Deve-se dar o devido tempo para que a gestante entre naturalmente em trabalho de parto, evitando precipitar a chegada do bebê, ou seja, antes da 39ª semana completa, assim como respeitar o ritmo de cada nascimento, que varia para cada parto.

Desde o curso da 41ª semana, mesmo diante de uma gestação saudável, a monitorização das condições fetais deverá ser feita mais amiúde, como forma de prevenir complicações consequentes ao envelhecimento placentário (pós-datismo).

A bolsa deverá romper espontaneamente durante o trabalho de parto. Sua rotura artificial, caso se faça necessária, poderá ser realizada apenas quando o trabalho de parto estiver bem avançado, objetivando coordenar melhor a dinâmica uterina ou até mesmo para observar o aspecto do líquido amniótico – presença de mecônio – em casos em que esteja ocorrendo alteração significativa nos batimentos do coração do bebê.

A episiotomia só deverá ser realizada quando houver indicação médica precisa, no momento do expulsivo, seja para evitar que o mesmo se prolongue, seja para facilitar a realização de alguma manobra obstétrica necessária.

Compete ao bom obstetra acompanhar, estar ao lado, cúmplice, atento e não extrapolar o seu papel, pretendendo “aperfeiçoar” o que faz a natureza, lançando mão de práticas inadequadas ou que não possuem evidências para apoiar sua recomendação.

Para alívio das dores, a anestesia pode sim ser usada em um parto humanizado em ambiente hospitalar, mas sua prática não pode ser liberal, respeitando-se inclusive o desejo da mulher, caso este recurso não seja estritamente necessário. É preferível lançar mão de métodos não invasivos, mais “naturais”, como banhos aquecidos (banheira ou ducha), massagens locais e técnicas fisioterápicas de relaxamento.

Caso não deem resultado, introduzir medicamentos que aliviem a dor, mas não interfiram na liberdade de se locomover nem na eficácia das contrações. A anestesia – raque ou de preferência a peridural – tem seu lugar quando houver indicação médica ou quando os demais recursos não sejam capazes de dar o suficiente conforto à mulher, impedindo-a que vivencie prazerosamente a experiência do parto.

O que eu acredito

Baseados no que foi exposto, concluo:

No parto humanizado, a parturiente é a protagonista e não o médico ou sua equipe

O obstetra tem a obrigação de deixá-la participar da experiência do parto com liberdade e lucidez (sempre que possível), tendo seu companheiro ao lado para a primeira acolhida de sua cria quando chega ao nosso mundo

Entender que é um momento de crise e vulnerabilidade para a mulher bem como para o casal

Não temos o direito de transformar desnecessariamente o mais singelo acontecimento da vida, o nascimento de um novo ser, numa complexa intervenção médica
É nossa tarefa enquanto médicos, entender que o parto é um processo irreversível, cuja fisiologia deve ser respeitada, acompanhada com atenção e responsabilidade, compreendendo as ansiedades e expectativas de cada mulher grávida, intervindo apenas quando houverem indicativos comprovados, baseados em evidências científicas para sua aplicação. Só assim criaremos as condições para restabelecer a naturalidade do parto, sem as desnecessárias distorções que ainda são cometidas pela medicina institucionalizada e que podem levar a profundas repercussões desfavoráveis para mãe e feto.

Entendo que o conceito de parto humanizado, que pratico há 40 anos, envolve obrigatoriamente o processo que se inicia desde quando a mulher sabe que está grávida, se estende por toda a gestação, atendendo com amplo respeito a fisiologia do trabalho de parto, eliminando todas as práticas rotineiras claramente prejudiciais ou ineficazes que eram adotadas no parto normal, até alcançar o momento soberano da acolhida do bebê, obedecendo os princípios do nascimento sem violência defendidos por Leboyer.

Autor: Dr. Claudio Basbaum
Publicado originalmente no Portal Minha Vida em 30/11/2015