O sopro da vida


É incrível se dar conta que o parto horizontal, tão incorporado aos nossos costumes como comer e beber, tem apenas 200 anos de idade. A posição foi adotada por um médico da corte francesa, Mauriceau, no século 18, por ser a forma mais prática de examinar as mulheres obesas da época. Hoje, esta é uma das muitas opções que as mães têm para vivenciarem o momento mágico do nascimento.

Vera Fiori

Vai longe o tempo em que ter um filho era a coisa mais natural do mundo. O Brasil, por exemplo, lamentavelmente, é o país das cesáreas, intervenção cirúrgica que, quando desnecessária, pode causar riscos à saúde da mulher e do bebê.

1995-01-a_miniSegundo Marcelo Zugaib, chefe do departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da USP, com sete livros e 300 obras científicas publicadas, o índice mundial de cesarianas aceito é de 20 a 30%. De acordo com o médico, só nos hospitais de primeira linha o número de intervenções deste tipo chega a 80 e 90%. “Para fazer uma comparação, acrescenta, na América do Norte o índice de cesáreas é de 14 a 17% e na Europa, de 9 a 14%”.

Para Zugaib, vários são os motivos que levam os casais e os médicos a optarem pela cesariana. “O homem teme que o parto normal prejudique o desempenho sexual da mulher depois do parto. Já a mulher, por medo, desinformação e influência do próprio obstetra, acaba decidindo pela operação. Por sua vez, o médico também tem sua parcela de responsabilidade. Os conveniados ganham muito mais se fizerem sete cesáreas num dia – que duram, em média, uma hora – do que acompanhar um parto normal que, nos casos de primeiro filho, podem demorar de oito a 12 horas. Assim, por comodidade, economia de tempo e lucro opta-se pela cesariana com data marcada”, afirma.

Nos casos de previdência social acontecem outras distorções, segundo Zugaib. Como não existe um planejamento familiar, boa parte destas cirurgias é escolhida para possibilitar a realização conjunta da laqueadura (esterilização), piorando o quadro.

1995-01-b_miniRiscos da cesárea – O médico afirma que perdem-se cinco vezes mais vidas em cesáreas do que em partos normais. As complicações no parto são maiores, além de se perder mais sangue. Outros problemas que podem ocorrer, segundo ele, são as cicatrizes e a aderência no abdômen, causando dor a longo prazo, e a possibilidade de lesões na bexiga e alças intestinais.

Para o bebê, a prematuridade do parto provocada pelo médico pode ocasionar desconforto respiratório. Nos casos de cesáreas com data marcada, em que o útero ainda se apresenta grosso, torna-se difícil tirar a criança do ventre da mãe causando-lhe mais sofrimento.
A cesárea só deve ser indicada em casos de sofrimento fetal (falta de oxigenação adequada); quando foram feitas duas ou mais cesáreas anteriores; pós-datismo (quando está passando a data do nascimento); crianças muito grandes em proporção ao tamanho da bacia da mãe; diabetes; anormalidade nas contrações uterinas; descolamento prematuro da placenta; hipertensão arterial; posição do bebê, eclampsia e pré-eclampsia, entre outros problemas obstétricos.
Ao menos em seu consultório particular, onde atende a classe alta paulistana, Zugaib afirma que a mulher luta pelo parto natural, mostrando maior conscientização do que em outras épocas. “Há uma valorização do parto humanizado, preconizado por Leboyer, assim como o desejo de amamentar”, fala.

O médico, um dos astros da obstetrícia da Cidade – não trabalha com convênios e cobra cerca de R$ 6 mil por parto, incluindo a equipe –, faz uma média de cinco partos por mês, 70% deles normais.

Seu método é inspirado na técnica do psiquiatra francês Frederick Leboyer, com algumas modificações. A sala de parto tem o mínimo de iluminação, a equipe fala em voz baixa e uma música suave ajuda a compor um clima receptivo à chegada do bebê. Mas, ao contrário dos médicos que seguem à risca os preceitos de Leboyer, como banhar a criança em água morna e cortar o cordão umbilical apenas depois que este parar de pulsar – ato que considera prejudicial à saúde do bebê – Zugaib segue os procedimentos clássicos relativos ao parto e, depois, coloca a criança no peito da mãe.

Ele não poupa farpas quanto aos métodos mais naturalistas, que adotam o parto de cócoras – “a mulher urbana tem a musculatura despreparada para tal posição, além de a força de expulsão fazer mal ao bebê, diminuindo seus batimentos cardíacos” – e o parto debaixo d’água, criação dos russos. “Imagino o médico de sunga e escafandro trabalhando. Qual a vantagem se, depois que sai da água, a criança sofre impacto do meio ambiente?”, ironzia.

Na sua opinião, Leboyer já fez um grande feito ao mundo ao propor a humanização do parto. “O resto é puro marketing”, avalia.

O parto Leboyer – Foi num passeio à Índia, conduzido por um guru, que o médico Frederick Leboyer experimentou uma viagem de regressão psicológica, descobrindo que seu nascimento fora marcado pela violência. A partir daí passou a dedicar sua vida ao que convencionou de humanização do nascimento.

Suas idéias, contidas no livro Por um Nascimento sem Violência, traduzido no Brasil por Nascer Sorrindo, foram trazidas para cá pelo médico Claudio Basbaum em 1975. Ele é um dos poucos na Cidade que também faz parto de cócoras e sentado, em cadeiras especiais. Na época, conta o médico, houve muita resistência por parte do establishment àquela nova proposta. A única maternidade que acolheu bem a idéia foi a São Luiz, onde trabalha até hoje.

O que propõe, afinal, o parto Leboyer? “Trata-se de um princípio filosófico e comportamental que pretende corrigir todas as condições distorcidas no ambiente do parto e do nascimento, valorizando todos os fatores positivos que podem melhor se harmonizar com a cerimônia de acolhida de um nove ser ao mundo”, explica.

Partindo do principio que nascer não é algo agradável, levando-se em conta que a passagem pelo canal do parto é um trabalho estafante para a criança, foi que Leboyer elaborou suas idéias. “A sala de parto tem pouca luz, o suficiente para a equipe médica trabalhar. Fala-se em voz baixa e trabalha-se com uma temperatura próxima de 37°C, a mesma que o bebê terá ao nascer. Os movimentos da equipe médica são sincronizados, sem atropelos. A criança é ajudada a sair do ventre materno, depois de colocar a cabeça para fora, quando, então, o obstetra a puxa com delicadeza, sem segurá-la pelos pés ou dar um tapa no bumbum. o bebê é massageado carinhosamente pelo médico e depois colocado no colo da mãe ainda com o cordão umbilical. O pai acompanha tudo de perto, ajudando a banhar seu filho”, relata.
Para Basbaum, o fato de não serem acolhidos com frieza, num ambiente com luzes fortes, barulhento, onde muitas vezes a equipe médica “discute futebol” sem a mínima sensibilidade e respeito, já é um bom começo para os bebês que nascem pelo parto Leboyer. “Pesquisas feitas por psicólogos franceses mostram que as crianças são mais seguras, tranqüilas, por terem o trauma do nascimento minimizado”, conta ele.

E lamenta que os médicos, movidos pela pressa, pela massificação do “fast-birth”, não adotem e incentivem, nas salas de hospitais, esta prática que, na verdade, não requer tecnologia, mas carinho e sensibilidade do “todo poderoso” obstetra.
“Todos os grandes momentos de nossas vidas são ritualizados, como o batismo, o casamento, a morte. Por que não festejar a chegada de uma nova criatura ao nosso mundo?”, indaga.

Em casa – No passado, as mulheres tinham seu filhos em casa ajudadas por uma parteira e esta ainda é a realidade em pequenas cidades do interior e Estados brasileiros mais pobres. Segundo o médico Jorge Hodick, 45% das brasileiras dão à luz em casa, por falta de opção, incluindo-se neste índice casos bem e mal-sucedidos.
Nos grandes centros urbanos, embora com a possibilidade de terem seus filhos em hospitais, algumas gestantes preferem parto domiciliar. São mulheres, segundo o médico, com um perfil distinto, culturalmente preparadas para este tipo de parto. “ Em comum, todas desejam evitar a estrutura fria dos hospitais”, comenta Hodick.

Em 100 partos domiciliares que já fez, apenas 10% tiveram algum tipo de complicação. Hodick, incentivador do parto sentado, de cócoras e na água, comenta que o alto índice de cesarianas se deve, além da falta de estímulo dos médicos, ao despreparo de encarar um parto normal.
“Hoje, o obstetra só sabe trabalhar com bisturi. O parto normal requer conhecimento, avaliação de posições, manejo do fórceps e, sobretudo, disponibilidade de tempo”, diz ele, acrescentando que o papel do médico é ser coadjuvante da natureza apenas, com atenção máxima e intervenção mínima.

As gestantes que chegam no seu consultório passam por uma avaliação médica rigorosa. A partir de estudo feitos na Holanda, onde 35% das mulheres preferem ter seus bebês em casa por opção própria, Hodick adaptou o protocolo Hobel, holandês, aos moldes brasileiros.
“É feito um pré-natal, com diagnóstico da gravidez, quadro clínico da mãe, exames laboratoriais e ultrassons para avaliar se é uma gestação de baixo ou alto risco. Se a paciente passar pelo protocolo, é uma forte candidata a ter o parto domiciliar”, fala.

A gestante é preparada, psicologicamente, através de cursos ministrados na própria clínica do médico e orientada a fazer exercícios para fortalecer a musculatura perineal. Quando chega perto do trabalho de parto, a mulher é avaliada no consultório, observando-se as contrações, cor do líquido amniótico, e só então ela recebe o sinal verde para ter seu bebê em casa.

Hodick trabalha com a ajuda de uma instrumentadora e de um neonatologista (pediatra especializado no atendimento de recém-nascidos). A equipe, que só trabalha de madrugada e nos fins de semana para evitar problemas com o trânsito, leva à casa da gestante todos os equipamentos necessários.

Submetida a uma anestesia leve, a mulher vivencia intensamente o parto de cócoras, amparada pelo marido. Para amenizar a dor causada pelas fortes contrações, o médico sugere banhos em água morna. Quando o bebê nasce é colocado junto à mãe para mamar, sem que seja cortado o cordão umbilical (cerca de 10 minutos, até que pare de pulsar). O médico acrescenta que a recuperação pós-parto é rápida.
Hodick, que não trabalha com convênio, cobra R$ 4 mil por um parto em casa, contando as despesas da equipe. Seu maior sonho é a criação de uma maternidade convival, onde haveriam múltiplos cursos e palestras. “ É simples implantar uma ala domiciliar nos hospitais. Basta colocar uma banheira, uma cama e uma cadeira de parto de cócoras, ao lado do centro cirúrgico”, fala Hodick, à procura de um mecenas.

Espere sentada – O parto sentado remonta a 1.450 a.C. Papiros e uma escultura encontrada em Luxor mostram que os faraós do Egito nasciam dessa maneira. O parto sentado foi particularmente popular na Alemanha no século 18, quando as cadeiras se tornaram mais elaboradas.

A técnica caiu no esquecimento sendo retomada novamente por um médico de Estocolmo na década de 70. Segundo seus adeptos, entre eles Claudio Basbaum, Moysés e Claudio Paciornik, e Jorge Hodick, a posição aumenta o diâmetro da pélvis, ampliando a passagem para a cabeça do bebê. O restante do corpo também passa facilmente graças à gravidade. Outras vantagens seriam o alívio das odres nas costas e a possibilidade da mãe ver o bebê nascer.

Em São Paulo, apenas o Hospital Adventista, na Vila Mariana, mantém uma cadeira para parto de cócoras. Segundo Júnia Arco, enfermeira responsável pela maternidade, a procura é pequena, na média de um a cada dois meses. “Este tipo de parto exige um preparo físico especial para fortalecer a musculatura. Talvez, por isso, a maioria das gestantes opte pela posição horizontal”, pondera.

Nos anos 70, com a efervescência das culturas alternativas, o Hospital Albert Einstein mantinha uma cadeira projetada em fiberglass. Mitsui Kuroki, obstetriz encarregada da maternidade, conta que, na época, eram feitos 15 partos sentados por ano. “Depois, a procura caiu muito, numa média de três partos por ano”, fala. A sala em que estava a cadeira foi desativada, sem perspectiva de voltar a funcionar a curto prazo.

De cócoras – Com mais de 80 anos de idade e em plena atividade profissional, o médico Moysés Paciornik, à frente da Casa e Saúde Paciornik, de Curitiba, já realizou mais de 20 mil parto de cócoras. Há 20 anos praticando este tipo de parto, ele cita algumas vantagens da posição: “É menos doloroso, traumatiza menos os tecidos do canal vaginal da mãe, diminui os riscos de lesar o cérebro do bebê. E ainda reduz a perda sanguínea, prescinde de manobras auxiliares, tornando raro o uso de fórceps. E, o mais importante, diminui a incidência de cesarianas”.

Segundo Paciornik, quem faz parto é a própria parturiente. “Passada a contração que demora 30, 40, 60 segundos, a mulher fica à vontade para repousar, sentar, ficar semi-sentada ou recostada, enfim, como se sentir mais confortável. Ela só fica de cócoras enquanto dura uma contração. Durante o período de dilatação podem ser administrados analgésicos da obstetrícia clássica como analgésico local, que alivia a dor sem diminuir a força muscular”, explica.

Na sua opinião, a posição horizontal não é a mais indicada por várias razões. Contraria a lei da gravidade, transformando o canal da vagina em uma subida estreitada. A posição deixa os tecidos maternos, vagina, bexiga, reto e períneo mais expostos a traumas e lesões, causas de seqüelas que acompanham a mulher o resto da vida. Os delicados tecidos do cérebro da criança ficam sujeitos a pressões e descompressões acentuadas, podendo lhe trazer graves conseqüências”.

Para o médico, toda mulher pode ter seu filho de cócoras. “Não precisa ser ensinada, nem preparada. Ela já nasce programada pela própria natureza. É algo instintivo, natural. Os mecanismos de defecção e parturição são idênticos. O resto é artificial e produzido”, dispara.
Paciornik, com várias obras publicadas, lamenta que médicos e hospitais se oponham ao parto de cócoras. “Toda idéia nova desperta reação. É difícil mudar conceitos estabelecidos”. Ele teve seus conceitos rebatidos pelos principais catedráticos do Brasil.

Hoje, segundo diz, no mundo todo o parto de cócoras está sendo reavaliado, especialmente nos Estados Unidos, onde os movimentos feministas alertam a sociedade para os benefícios da posição vertical, para as mães e seus bebês.

Experiências boas e más

O parto, momento especial na vida dos pais, nem sempre traz boas lembranças. Clélia Rizutti, comerciante, teve que se submeter a uma cesárea, devido à posição do bebê. “O médico, que se mostrou extremamente sensível durante o pré-natal, na hora do parto pisou na bola. Ele e a equipe discutiam sobre qualquer assunto, como se eu não estivesse ali. Vi o rostinho do meu filho por alguns segundos, sem poder tocá-lo. Como passei mal devido à anestesia, só pude pegá-lo um dia depois. Senti um vazio enorme”, conta.

Patricia Feddersen teve quatro filhos: Ian Cedric, de 7 anos; Alan Patrick, de 5, Sean Kevin de 3 e Sven Kristian de 1, todos de parto normal. De origem européia, onde, culturamente, as mulheres optam por vontade própria pelo parto ativo, Patrícia espantou-se com a atitude de uma médica. “Como era meu primeiro filho, ela disse que esperaria até oito horas e que, se o trabalho de parto passasse disto, eu entraria na faca”, fala.

Patricia e seu marido Mark, decidiram, então, ter o bebê na Clínica Tobias, que segue a linha antroposófica. Por ser o primeiro parto, Patricia teve a criança na posição horizontal. O segundo parto foi feito por Claudio Basbaum. “A mesa foi colocada num ângulo de 45°, posição que possibilita ver a criança nascendo. A experiência foi emocionante. O terceiro e o quarto filho tive de cócoras. No caso, a intervenção do médico é mínima e a natureza age por si só. Vivenciei cada minuto”, conta.

Mark, o marido, acompanhou tudo de perto e conta que a emoção do nascimento superou o possível impacto que causa a imagem do parto. Para os dois é muito importante criar um clima agradável para o recém-nascido. “Com isso mostram que ele é bem-vindo”, falam, acrescentando que suas crianças são saudáveis, espertas e sobretudo super-tranquilas.

Já a jornalista Ana Maria Freitas teve dois de seus três filhos em casa. No caso do mais velho, ela deu à luz sentada, em uma cadeira especial, ainda em uso no Hospital Adventista. “Para aliviar a dor fiquei em uma banheira com água morna aromatizada com ervas naturais”. O segundo e o terceiro nasceram em casa, como Ana sempre quis. “Para mim, os hospitais estão relacionados à doença, à morte”, diz. Segundo ela, a grande vantagem é a recuperação rápida e a participação da família e dos amigos na hora do nascimento, ao contrário do mecanicismo e frieza dos hospitais.

Onde achar

Dr. Moysés Paciornik: R. Lourenço Pinto, 83; tel.: (040) 232-3232, Curitiba
Dr. Claudio Basbaum: R. Adolfo Pinheiro, 1874; tel.: 521-0951
Dr. Jorge Hodick: R. Pio XI, 377; tel.: 832-6310
Dr. Marcelo Zugaib: Av. Brasil, 199; tel.: 887-3678.