(pode tornar-se uma aventura tranqüila)<img144|right>

“O bebê também merece um parto sem dor”

Depois de nove meses de calor e proteção absoluta, o bebê é expulso do útero com violência e dor. Como se isso não bastasse, outros sofrimentos esperam por ele na sala de parto e no berçário: claridade excessiva, sufocação, frio e sensações de morte, angústia e abandono. Mais ou menos o que sentiria um adulto «se fosse de repente lançado num deserto, absolutamente só», afirma nesta entrevista o médico francês Frederick Leboyer, introdutor do método de nascimento que tem seu nome. Como obedece à natureza, boa parte do sofrimento do bebê é evitada por esse processo, garante Cláudio Basbaum, primeiro obstetra a empregá-lo regularmente em São Paulo. E a parturiente? Como reage? A cantora Baby Consuelo, mãe de quatro filhos – três dos quais nascidos pelo método Leboyer – depõe sobre o «sentimento profundo de felicidade» que teve durante esse tipo de parto.

Apaixonado pelas tradições orientais, homem simples, para quem todas as coisas devem ser feitas de forma muito natural, o médico francês Frederic Leboyer, depois de anos de trabalho com gestantes e recém-nascidos, lançou-se numa cruzada até agora pouco compreendida: a de trazer o amor para a sala de parto. Há quem o critique (e são muitos). Mas os poucos que o aceitam entendem que o nascer é, acima de tudo, uma aventura tranqüila, que tem na Natureza um guia lúcido e experiente.

Por que o senhor se preocupa com os sentimentos da criança, na hora do seu nascimento? Não seria melhor dar mais atenção à saúde física do bebê e da mãe?

– O problema é que, com o avanço da tecnologia, acabamos reduzindo tudo o que se refere ao parto a um simples processo técnico-científico. Mas o nascimento é, acima de tudo, um ato de amor. Deixamos o amor fora da sala de parto, esquecendo os resultados que essa atitude pode trazer. Me responda: qual é a primeira reação da criança, na hora do nascimento?

Bem, normalmente chora…

– Dizemos melhor; a criança urra. E as pessoas ficam contentes; o médico, a mãe, o pai. E dizem, com orgulho; “Veja como seu choro é forte”. Para eles, esse grito é sinal de que tudo está bem, que os reflexos da criança são normais, que a “máquina” funciona. Ninguém se pergunta; “Se ela grita desse jeito, não estaria sentindo um mal-estar muito grande”?”.

Mas como se pode sabê-lo? Em outras palavras; como podemos ter certeza de que o bebê chora porque está sofrendo?

– É simples, a própria criança responde. Claro que ela não fala, mas nem sempre é necessário falar. Os olhos cerrados, a fisionomia contraída, o choro desesperado, as mãos crispadas, implorando, depois próximas da cabeça, num gesto de desespero. Os espasmos do corpo, todo aquele tremor. O recém-nascido não fala? Nós é que não sabemos ouvi-lo.

Mas todas as crianças nascem assim. Parece que o sofrimento, na hora do parto, é natural, inevitável.

– Claro, sempre ouvimos dizer “o nascimento é sofrimento, a vida é sofrimento”. Além disso, em muitos de nós, existem resquícios de crueldade. É desagradável dizer isso, mas é verdade. Tem gente que diz: eu nasci assim sofri assim, para que mudar agora? É a lei de “talião” envolvendo as pessoas. Existem também aqueles que mascaram essa crueldade com um verniz de “boas intenções”. Eles dizem: a vida é dura, difícil, o mundo é um sofrimento. Por isso, é bom que as crianças se acostumem desde cedo com esse sofrimento. O que fazer diante desse tipo de pessoa? É triste, mas precisamos reagir. Todos aqueles que acreditam na possibilidade do parto sem sofrimento precisam reagir.

Mas o parto sem dor já é uma realidade?

– É uma realidade para a mãe. É preciso iniciar, agora, a mesma campanha de informação e esclarecimento com relação ao parto sem sofrimento para o bebê.

E por onde podemos começar?

– Creio que podemos partir da admissão do fato de que, para o bebê, o parto é uma experiência horrível. E o que torna o nascimento tão terrível é o verdadeiro bombardeio de sensações novas a que a criança é submetida. Todos sabem que tudo o que é novo, desconhecido, provoca medo. Imaginemos o parto; muito antes de surgir com sua cabeça na vagina da mãe, iniciando o nascimento, o bebê já passou por grandes sofrimentos físicos. Sente a rejeição do útero, que o abrigou por nove meses e que de repente começa a expulsá-lo com violência. Teve de suportar, sobre os ainda frágeis ossos do crânio, uma pressão extremamente dolorosa. E logo que surge para a vida, o que acontece? É agredido por uma claridade violenta, que chega a cegá-lo, principalmente se lembrarmos que seus olhos nunca tiveram contato com a luz. Seus ouvidos são também feridos por sons altíssimos para a sua sensibilidade, principalmente porque ninguém se preocupa em baixar a voz e evitar os rumores inúteis. É claro que, nessas condições, o recém-nascido sente medo. E chora…

Mas o bebê se acostuma aos sons, antes de nascer?

– Claro; à voz da mãe, as batidas de seu coração, ao rumor de sua respiração. Mas todos estes sons lhe chegam filtrados, amortecidos pela água em que está imerso. E não é só a agressão dos sons que o fere. Há também uma prova muito difícil a ser vencida: a da primeira respiração. Isto, para o bebê, representa o inferno, a sensação de morte, a angústia da sufocação. Não paramos por aí: o bebê é preso pelos pés, de cabeça para baixo. E a sua coluna vertebral, até então acomodada à posição fetal, é bruscamente colocada em posição de tensão. Será que podemos imaginar essa dor? E depois, o frio da balança, as pálpebras abertas à força, para que se possa pingar um líquido que provoca um ardume muito doloroso. Terminado esse martírio, o “descanso”: longe da mãe, no isolamento do berçário, o recém-nascido toma contato com sensações nunca experimentadas: a solidão, o abandono. O que acontece com um de nós, se fosse de repente lançado num deserto, absolutamente só? Sem entender, sem poder se comunicar, sem esperança? É isso o que sente o bebê, longe da segurança que a mãe lhe dava, do seu calor.

É possível evitar todo este sofrimento?

– Podemos evitar boa parte desse sofrimento. A luz, por exemplo. Claro que precisamos de um pouco de claridade para atender à mãe: mas não é necessário aquele holofote fortíssimo, habitualmente usado. Podemos evitar o barulho, falando baixo ou através de gestos. Com isso, o sofrimento diminui: o bebê nasce, mas não chora. Nesse momento, a mãe precisa ser também acompanhada: muitas ficam desesperadas, porque não ouvem a criança chorar. É incrível como as pessoas associam parto e sofrimento.

Penumbra, silêncio. É assim que começa o nascer sem sofrimento. E depois?

– Logo após o nascimento, o bebê é colocado sobre o ventre da mãe. Ele recebe o seu calor, sente o seu cheiro, o seu carinho. Mas pousar a criança sobre a mãe tem ainda outra grande vantagem: é possível retardar o momento de cortar o cordão umbilical. Fazer isso assim que o bebê nasce é uma grande crueldade. O ar, invadindo repentinamente os pulmões da criança, provoca um grande mal-estar. A única maneira de evitar isso é não cortar o cordão. Oxigenado através dele, o bebê terá tempo de habituar-se à respiração, sem traumas. Claro que isso requer paciência. E tempo: é preciso esperar quatro ou cinco minutos antes que o cordão pare de pulsar. É uma questão de escolha: ceder à nossa pressa ou dedicar um pouco de compreensão, de amor àquela criança indefesa, desprotegida.

Mas as crianças nascida por esse método são diferentes? Não choram, não se desesperam, não têm medo?

– São crianças diferentes. Alguns sorriem logo depois do nascimento e isto é um milagre, porque geralmente um bebê sorri só depois do primeiro mês. Mas o verdadeiro milagre se realiza depois. Essas “novas crianças” não conhecem a agressividade, o medo, a sensação de solidão. São em média mais amadurecidos do que aqueles nascidos pelo método tradicional. A razão é simples: o medo não foi a primeira experiência de sua vida. São crianças que não experimentaram a violência. Não se sentiram abandonadas. O nascimento sereno dá um rumo diferente a toda a vida.

Depois de tudo, dá para sentir que esse método exige apenas amor e paciência. Não é necessário adquirir novos aparelhos, nem contratar novos funcionários. Em resumo, o método Leboyer não custa muito. Por que, então, não é mais difundido? Por que não há uma aceitação maior?

– Porque as pessoas, os médicos principalmente, não têm vontade de mudar. Porque sempre o parto foi violento, e as pessoas não vêem muitas razões para que agora seja diferente. E, enfim, pela razão mais terrível de todas: para que um bebê nasça com amor, é preciso que as pessoas tenham amor para dar. E esse sentimento está desaparecendo, vemos isso todo dia. A cada dia, diminui o amor dentro das pessoas. E o amor pelas crianças não é uma exceção.

Um ato de amor

O obstetra Cláudio Basbaum foi o primeiro médico a empregar o método Leboyer em São Paulo, há cinco anos. A experiência deu certo e tornou-se um hábito, que mantém até hoje. Um hábito recompensador – a maioria dos bebês que ajuda a nascer se mostra tranqüila e não aparenta medo: não chora, às vezes sorri, suga o seio da mãe e chupa seus dedos. Muitos chegam a mamar com bastante fome logo nos primeiros minutos de vida.

Cláudio Basbaum tenta fazer do parto um ritual religioso, um ato natural, sem pressa, cheio de amor, beijos e carícias. Quer diminuir as agressões que normalmente caracterizam o nascimento no mundo ocidental e recompensar os esforços que a «viagem» para vir ao mundo cobra das crianças.

Os cuidados médicos começam durante a gestação, diz ele. Mãe e pai recebem a mesma orientação: «O filho é dos dois; não deve ser uma atribuição só da mulher e tornar-se um elemento de competição entre o casal.» O resultado dessa orientação, segundo Cláudio, é uma mãe altamente motivada para dar à luz naturalmente e um pai que se liga emocionalmente ao bebê em termos imediatos e não exige tempo para estabelecer uma relação profunda com ele, como acontece com frequência.

Índios e Comadres

Para Cláudio Basbaum, o nascimento Leboyer assemelha-se ao das pessoas primitivas, como os índios. E mantém traços comuns também com os costumes das «comadres», que realizam o parto em ambiente silencioso, na penumbra, seguido de um banho morno, na maior naturalidade possível.

A posição mais funcional no parto para a mulher, na sua opinião, é a das índias: de cócoras. Suas pacientes ficam semi-sentadas no momento de dar à luz, a fim de ajudarem a criança a sair. Ele defende essa postura com um argumento simples, que é, na verdade, uma pergunta: «O que é melhor para um remador fazer força e movimentar o barco; ficar deitado ou sentado ao mexer os remos?».

Em geral, a tendência das mães é a de fechar os olhos ao despender muito esforço, mas ele tenta levá-las a observar bem tudo que acontece. «Eu as estimulo com estas palavras; veja seu filho nascer.»

No dia do nascimento, o pai fica na sala do parto, e ajuda a mulher a fazer força; observa todo o processo e frequentemente chora de emoção. O bebê – depois de passar os primeiros minutos de vida regulamentares do método Leboyer abraçado à mãe e a receber seus carinhos – pode permanecer no quarto do casal, sem ir para o berçário, se estiver bem de saúde. Assim, a mãe vê-se livre da sensação angustiante de ter o filho «roubado» por 24 horas e devolvido «todo enrolado em panos, como se fosse um estranho».

Choro e Tensão

Quando o bebê vem de uma família tensa ou de mãe que se angustiou por um motivo ou outro durante a gestação, costuma chorar. O choro não tem grande importância, afirma Cláudio Basbaum. Porém, ele fala que, num “nascimento Leboyer”, pelo menos pode ter certeza de que a criança não vai chorar por sua causa. Ele explica quais são as providências necessárias nesses casos de choro:

– Se a criança manifesta-se ansiosa, temos que acabar com a ansiedade. Há bebês que já nascem com stress, por causa da viagem do parto. São justamente eles que mais precisam de nossa ajuda: o método Leboyer torna-se ainda mais válido nessas circunstâncias.

Durante a gestação, a comunicação mental positiva da mãe com a criança é muito necessária, para dar tranqüilidade ao bebê, do ponto de vista de Cláudio Basbaum. Ele questiona que a única ligação entre os dois seja apenas um cordão, vínculo meramente físico.

A importância da fase de gestação e, mais tarde, de um nascimento com amor, foi reiteradamente comprovada, de acordo com o obstetra, pelas narrativas feitas por pessoas que passaram por experiências com drogas ou técnicas psicanalíticas que levam à regressão.

Não a cesárea

Por optar pelo nascimento natural, Cláudio Basbaum não recorre sempre às cesáreas. «Ao contrário: cerca de 95% de meus bebês vêm de partos comuns.» Mesmo nos casos de cesariana, o método Leboyer não fica de lado: «A anestesia só tira a dor da mãe, mas não a deixa inconsciente. Logo após o nascimento, coloco o bebê sobre seus seios. Depois, ela e o marido dão o banho morno na criança.»

Por ser adepto ferrenho de Leboyer, de quem se declara amigo, Cláudio Basbaum diz ter enfrentado muitas pressões de seus colegas médicos: «As pessoas sempre resistem à mudança, pois o desconhecido provoca medo.» Além disso, ele talvez tenha comprado muitas brigas por evitar a cesariana sempre que possível: “Não apelo às cesáreas para ver-me livre das pacientes grávidas as sexta-feiras e sábados pela manhã e passar o fim de semana no Guarujá.”

(Sandra Carvalho)

Baby Consuelo: em defesa do nascimento Leboyer

Ensaiar para gravação de discos, apresentar shows, esticar a noite em discotecas, viajar para Salvador e «curtir» comida vegetariana fazem parte da rotina da cantora Baby Consuelo e do guitarrista Pepeu, dos Novos Baianos. Mas o cotidiano do casal não se esgota nisso. Eles reservam bastante tempo para os filhos: em oito anos de casamento, tiveram quatro. Só Ri’Roca, a mais velha, agora com cinco anos, veio em parto tradicional. Os outros nasceram pelo método Leboyer e, ao contrário de Ri’Roca, compositora precoce e «bem danadinha», crescem muito calmos em uma casa do Leblon. No Rio de Janeiro, onde todos vivem sob vigilância da babá, a «coordenadora geral das crianças.»

Baby Consuelo lembra que conheceu o método Leboyer pela televisão, quando morava num sítio em Jacarepaguá, e imediatamente jurou que, se tivesse mais algum filho além de Ri’Roca, ele nasceria dessa forma. Não sabia que já estava grávida há dois meses e, quando soube, não se preocupou em tomar providências para cumprir o desejo. Continuou com as consultas com seu antigo médico, porém sentia que o bebê nasceria «de uma forma filosófica, com muito amor.» Tinha ouvido falar em Cláudio Basbaum, que repetira as experiências de Leboyer em São Paulo, e pressentia que daria à luz com sua ajuda.

Mãe desobediente

Na semana passada, Baby mostrava-se esgotada pelo lançamento de seu último disco, entrevistas dadas até de madrugada e dias inteiros de ronda pelas estações de rádio. Mas arrumou tempo para contar como foram seus partos, nos intervalos das gravações de um programa de televisão.

– Quando começaram as contrações de vinte em vinte minutos, corri ao médico para saber se estava em trabalho de parto. Ele disse que ainda não havia dilatação, mas um prenúncio – o suficiente para eu voltar para casa e ficar quieta. Por via das dúvidas, pedi uma tirinha para amarrar o cordão umbilical, caso a criança nascesse enquanto eu estivesse sozinha. E desobedeci a ordem de voltar para casa, saí direto ao consultório para o aeroporto do Galeão e tomei um avião para São Paulo, a fim de participar de um show do Benito de Paula, no Canal 4. Depois da apresentação, fui dormir, porém não consegui encontrar uma boa posição. De manhã, percebi que o bebê iria nascer. Quando consegui falar com o médico Cláudio Basbaum, as contrações já vinham de cinco em cinco minutos. Combinei de ir imediatamente para o hospital. Quando ele chegou, eu estava fazendo um exercício instintivo, que mais tarde soube ser o mesmo das índias: puxava alternadamente as pernas o mais próximo possível da barriga. Foi maravilhoso: não quis tomar anestesia, consegui fazer a força necessária e vi todo o parto. Ouvi quando Cláudio deu um beijo em minha filha logo após o nascimento. Depois que a pulsação do cordão umbilical cessou, ele a colocou de bruços sobre minha barriga, e eu comecei uma massagem na sua espinha. Tive o cuidado de não me deixar levar pela emoção e vivi um sentimento profundo de felicidade. Zabelê não chorou e, assim que se acalmou, mamou um pouco de colostro. Quando ela se sentiu em terra firme, Cláudio a pegou e colocou em água aquecida a 37º. Ela sorriu e passou a perninha em seu braço.

Gratificação

O nascimento foi tão gratificante para Baby Consuelo e o bebê que ela fez questão de que sua terceira filha, Nãnashara, tivesse o mesmo atendimento. Mais uma vez, Baby também estava em São Paulo por acaso, e ficou na festa de aniversário de Didi, o baixista dos Novos Baianos, até às três horas da madrugada. De manhã, quando notou que o parto se aproximava, telefonou para Cláudio Basbaum e se dirigiu ao hospital:

– Estava cansada, e resolvi dormir três ou quatro horas. Como tinha esquecido de comer naquele dia, Nãnashara nasceu faminta: mamou vinte minutos depois de nascer.

Quando chegou a vez do quarto filho, que está com cinco meses de idade, Baby Consuelo preferiu ficar no Rio e ensinar o método Leboyer – do qual não abre mão – a seu médico de lá, Paulo França Figueiras. Ele e sua equipe se prepararam e ela transmitiu-lhes a experiência de seus partos anteriores:
– Quando tive Pedro Baby me encontrava exausta novamente, sem resistência, por causa dos shows. Temi não contar com força suficiente e só por isso resolvi tomar a anestesia peridural, que faz efeito da cintura para baixo e não aniquila totalmente a sensibilidade. Fui recompensada: senti a saída da criança e até um ardido. E fiquei feliz que as pessoas da equipe médica pudessem provar por si próprias, através de mim, que, nesse tipo de nascimento o bebê nasce sem traumas.

(S.C.)