Viver, eis a questão

A difícil luta do homem na era tecnológica

Um perigo ameaça a Terra, o homem. Pelo menos para muitos dos técnicos reunidos em Bucareste. Que prevêem uma catástrofe: em poucos anos, seremos 28 bilhões de famintos. Como salvar a humanidade é o que 4.700 especialistas estão discutindo. Não menos importante e igualmente polêmico outro tema apaixona o mundo: como nascer. Um francês, Frederick Leboyer, revoluciona a obstetrícia com seu método de “nascer sorrindo”. Para ele, até hoje todos nascemos de maneira errada, violentados, traumatizados. Seu método – vantagens, dúvidas e críticas – também está em discussão.

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O obstetra francês Leboyer garante que sim, mas os médicos brasileiros têm lá suas dúvidas

Nascer sorrindo – essa é a ênfase que vem sendo dada ao parto Leboyer. Segundo a classe médica carioca, entretanto, esse sorriso não foi visto no filme apresentado pelo obstetra francês na Santa Casa de Misericórdia, para explicar o seu método. Ginecologistas, pediatras e psicólogos receberam com total descrença a nova técnica de nascimento, baseando suas críticas justamente nesse ponto: ela não é tão nova assim e fica pouco a dever ao parto de uma índia. Repudiando o método, eles procuraram mostrar os riscos que o parto na penumbra pode trazer para mãe e filho. De positivo, a classe médica só viu uma coisa no parto Leboyer: a preocupação com o bebê, que é encarado não como um objeto, mas como um pequeno ser que necessita do nosso amor desde o instante em que explode para a vida.

“Este método é de um primitivismo total.”
“Diminuir o trauma do bebê: É possível. Anulá-lo? Nunca.”
“Pelo menos uma vantagem: o recém-nascido como ser humano.”

Uma viagem de volta até a velha Índia

Cirurgião e obstetra francês, Frederick Leboyer de repente largou toda a sua clientela e partiu para a Índia. Lá, afirma ter conseguido regredir em sua vida até um período anterior ao nascimento, sentindo todo o sofrimento da criança no instante do parto. Dessa constatação, ele partiu para uma nova filosofia de como deveria tratar suas clientes, divulgando-a num livro sob o título Nascer Sorrindo. Pelo método Leboyer, o bebê deve ser recebido na penumbra, numa sala silenciosa. O médico acolherá a criança com ternura, colocando-a sobre o ventre da mãe, que a acariciará. Depois, o corte do cordão umbilical e um banho à temperatura de 37 graus. Nesse momento, deve ocorrer o milagre: o bebê dará o sorriso gratificado que, normalmente, só deveria aparecer dentro de alguns meses. Segundo Frederick Leboyer, dessa forma a criança está livre dos traumas do parto. Agora, caberá à mãe amamentá-la durante um ano e permanecer ao seu lado durante outros dois, para que ela seja um bebê emocionalmente sadio.

“Amor não se mede”, é a resposta de Basbaun quando perguntam quantos partos fez pelo Leboyer

Um risco que não compensa

“O que existe de altamente positivo no parto Leboyer é a concepção da criança como um ser humano, em lugar da criança-objeto. Mas isso não é novo. Há muito tempo procuramos dar carinho ao bebê, embora essa não seja a função real do obstetra. Por isso mesmo, sempre realizamos o parto na presença de um neonatologista, a quem entregamos o recém-nascido para os cuidados adequados. Como não poderia deixar de ser, a preocupação maior do obstetra tem que continuar voltada para a mãe, uma vez que o nosso trabalho não termina com a expulsão da criança. Nós precisamos continuar alerta, enquanto a mulher expulsa a placenta, impedindo qualquer possibilidade de complicação, fazendo suturas e outras coisas mais.

Realizar um parto na penumbra seria muito perigoso para a mulher. No caso de uma ruptura uterina, por exemplo, a mãe morre de hemorragia em até 15 minutos. Nós precisamos estar atentos, ter todas as condições de impedir que isso aconteça. Se estivéssemos na penumbra, teríamos que esquecer tudo, dar luz total, e partir para medidas extremas, a fim de salvar a mulher. Isso também aconteceria num caso de retenção da placenta, quando teríamos, rapidamente, de administrar um sedativo à mãe e extrair manualmente a placenta. E também seria muito difícil constatar um sofrimento fetal. Se tivéssemos alguma suspeita de que isso estivesse acontecendo, seríamos obrigados a acender as luzes e socorrer o bebê.

Nisso tudo, considero que pior do que não colocar o bebê sobre o ventre materno é – depois do parto – enviá-lo para o berçário, onde o eixo que liga mãe e filho deixa obrigatoriamente de existir. E também não vejo condições, na vida atual, para uma mulher amamentar durante um ano e permanecer outros dois cuidando de criança.

Tudo isso é bastante interessante, mas perigoso. Não considero que devamos arriscar a vida da mãe para evitar possíveis traumas no filho.

Um método fora da realidade

“Na realidade brasileira, eu não vejo meios para realização de um parto de cinco horas, como preconiza o Dr. Leboyer. Talvez isso fosse possível em determinadas classes, mas haveria sempre uma dificuldade, ou material ou causada por preconceitos.

Acho muito positiva a concepção de criança-ser-humano, e a ênfase dada à ligação com a mãe. Mas não adianta manter uma ligação estreita logo após o parto e depois mandar essa criança para o berçário. A verdadeira revolução no parto só vai ocorrer no dia em que o bebê ficar ao lado da mãe, deitado na mesma cama que ela. E isso não é impossível. Se houvesse um preparo maior da família, um cuidado maior para com a gestante e o bebê, a ligação afetiva poderia se mantida, com a criança e a mãe permanecendo lado a lado.

Há um problema maior, no parto Leboyer: todos nós sabemos que a criança tem o tato como primeiro sentido desenvolvido e, por isso, ela é muito sensível a qualquer reação da mãe. Não adiantaria a mulher manter o bebê sobre o seu ventre, se ela não estivesse realmente querendo fazê-lo. Isso seria ainda pior para a criança, que percebe, já ao nascer, qualquer enrijecimento dos músculos, qualquer repúdio por parte da mãe.

O analista René Spitz fez uma descoberta muito interessante sobre isso: comparando a evolução de bebês cujas mães tinham leite abundante, mas não desejavam os filhos, com a de outros cujas mães tinham pouco leite, mas estavam felizes – ele descobriu que o desenvolvimento estava diretamente ligado ao carinho demonstrado pelas mulheres, e não à abundância na amamentação.

Na realidade, há toda uma teoria de que a angústia humana estaria presa a um traumatismo de nascimento. O parto Leboyer poderia diminuir esse trauma, mas não o anularia. Além disso, essa tese é discutível, porque a angústia não se desenvolve apenas no nascimento. Ela persegue o indivíduo durante toda a vida. Há pouco tempo o analista argentino Arnaldo Rascovsky apresentou um estudo onde demonstra que o verdadeiro nascimento da criança, do ponto de vista emocional, só se processa no final do período de resguardo da mulher. Nessa fase (e em conseqüência do reinício da função hormonal), a mulher tem seu leite diminuído durante cerca de dois dias. Antigamente, pensava-se que o leite estava acabando e iniciava-se a amamentação por mamadeiras. Hoje, sabe-se que o leite voltará ao volume normal e deixa-se a criança sentir um pouco de fome, durante esse período, na certeza de que ela depois voltará a ser amamentada normalmente. Entretanto, esses dois dias em que o bebê sentiu fome foram a primeira depressão em sua vida.

Nós desconhecemos ainda muitos detalhes do nascimento, mas já concluímos que o parto não termina com a expulsão da placenta – nem para a mãe, nem para o filho. Para o bebê, a depressão ocasionada pela diminuição do leite é o verdadeiro parto emocional. O outro foi o parto físico apenas.

Uma agressão involuntária

“O método Leboyer é de um primitivismo total. Ele fala das agressões que fazemos contra a criança como se desconhecesse que elas são mínimas e inteiramente necessárias. Nós não colocamos o bebê sobre o ventre da mãe por uma razão bem simples: estamos ocupados, logo após o nascimento, em aspirar a criança, para evitar que ela possa ter complicações, em conseqüência da absorção das secreções do parto. E fazemos isso colocando o bebê numa mesa Takaoka, que proporciona justamente as condições ideais de oxigenação, permitindo ainda que ele fique sobre um colchão macio e aquecido.

Em tudo o que foi apresentado na Santa Casa, parecia haver o desconhecimento das condições em que se faz um parto, atualmente. Hoje, o bebê nasce em temperatura ambiente; o ar condicionado só é ligado depois que ele deixa a sala de parto. E também não existe mais aquele costume do médico levantar o bebê bem alto, como se fosse Deus acabando de criar o homem.

Como neonatologista, uma das primeiras providências que tomo é manter o bebê ao mesmo nível da mãe. E isso não tem nada de novo: é simplesmente a aplicação do princípio dos vasos comunicantes. Se nós levantarmos a criança, o sangue passará dela para a mãe, e estaremos realizando uma transfusão. Assim, mãe e criança devem ficar num mesmo plano, até que cessem os batimentos cardíacos, e o cordão umbilical possa ser cortado.

Com relação ao banho, só posso dizer que está amplamente comprovada a utilidade do vernix casioso. Ele protege o bebê contra as infecções e as áreas de atrito, uma vez que até a fralda pode ferir a pele de um recém-nascido. É por isso que nós só limpamos a criança depois do vernix secar completamente.

Em resumo: o Dr. Leboyer deseja que o bebê ria. Nós desejamos que ele chore. Não porque queremos fazê-lo sofrer, mas porque, ao cuidá-lo, provocamos involuntariamente o seu choro. E esse choro serve, inclusive, para nos demonstrar que se trata de um bebê normal.”

A convicção de um médico brasileiro

Responsável pela implantação do método Leboyer no Brasil, o obstetra paulista Cláudio Basbaun explica que tomou conhecimento da técnica, pela primeira vez, em fevereiro, através de uma revista francesa. Depois, leu o livro Nascer Sorrindo, e passou a empregá-la.

“Antes de conhecer pessoalmente Frederick Leboyer, havia apenas duas coisas do método que eu não aplicava: colocar a criança sobre o ventre da mãe e trabalhar sem luvas. Ao conversar com ele, entretanto, fiquei convencido de que a dessangração (passagem do sangue da criança para a mãe, através do cordão umbilical) não ocorre, mesmo estando o bebê num nível superior ao da mulher. E também decidi deixar de usar luvas, pois ele me convenceu de que, no berçário, as enfermeiras lidam com a criança de mãos nuas.

Atualmente, pretendo organizar uma comissão que estude o desenvolvimento das crianças nascidas pelo método, a exemplo do que está sendo feito na França. Segundo Leboyer, as primeiras conclusões (que ainda não foram publicadas) são de que os bebês são mais calmos, mais seguros de si, e – acima de tudo – não conhecem o medo. Mesmo os que foram colocados em ambientes negativos demonstraram diferença em relação aos irmãos que não nasceram pelo método.

As mulheres que dão à luz nessa nova técnica são também muito mais felizes. Uma de minhas clientes chegou a dizer que sempre teve medo de ser apenas uma máquina reprodutora, e, com o método, conseguiu quebrar suas próprias estruturas, e participar da festa que é o nascimento de uma criança.

Eu sei que tenho sido muito criticado, mas o que as pessoas não perdoam é a constatação de que se trata de um método simples, sem computadores ou números. Justamente por isso, eu me recuso inclusive a dizer o número exato de partos que realizei pela nova técnica. Os números não importam; porque o amor não se mede.”

Duas mães, dois depoimentos

 Entre as gestantes, o parto Leboyer vem provocando discussões, e as opiniões são as mais contraditórias. O filho de Aparecida Linhares Balogh, nasceu no sétimo mês de gravidez, e ela não pôde tentar o novo método, o que lamenta: “O meu bebê estremece sempre que vê a claridade. Se ele tivesse nascido na penumbra, se tivesse tido mais contato comigo, não se sentiria tão agredido pela luz. Da próxima vez, vou tentar o Leboyer.”

 Grávida de nove meses, Cecília Mitsuko Mysawa Mateoni discorda inteiramente de Aparecida: “Prefiro o parto normal. Acho que ele não tem nada de traumatizante, e – de qualquer forma – não seria o contato corpo a corpo que solucionaria as futuras neuroses de uma criança. Vi o parto pela televisão, e ele não me convenceu. A criança chorou do mesmo jeito, e – decididamente – cinco horas é tempo demais para um parto.”