Entrevista a Hélio Carneiro
Fotos de Chico Nascimento
(Sucursal de Paris) e Frederick Leboyer

arton112Em 1974 um médico francês provocava através do livro Para um Nascimento sem Violência – e do filme em que demonstrava o novo método de fazer nascer uma criança – uma polêmica que se alastrou por todo o mundo, conquistando simpatizantes e ferozes opositores. Agora, decorridos cinco anos dos primeiros partos sorridentes, o Dr. Frederick Leboyer fala a MANCHETE sobre os efeitos de sua concepção e de suas novas descobertas e incursões na área do relacionamento mãe-filho.

O meio emocional que envolve o recém-nascido irá influenciar permanentemente por toda a sua vida de adulto

MANCHETE – O método do nascimento sem violência sofreu ultimamente algumas alterações?

Dr. Leboyer – Com o tempo, verifiquei que as coisas são muito menos complicadas do que se pode pensar. Na verdade, não se trata de um método, mas de uma atitude que prescinde de normas rígidas – como, por exemplo, manter na penumbra a peça onde a criança vai nascer. Importa realmente é a atitude adotada para com o ser que penetra num mundo totalmente novo e desconhecido.

– Em que consiste está atitude?

– Respeito. Como se trata de um ser sensível, tenho de pedir sua permissão para tocá-lo, para me comunicar com ele. E como lhe dirigem a palavra pela primeira vez e também sente o toque de uma pessoa, sei que sente medo. Neste momento compete à pessoa que secunda o nascimento oferecer seu apoio. Não agredir, como infelizmente ainda se faz, por se partir do pressuposto de que a criança não sente ou entende o que se está dizendo por não possuir linguagem. Isso não é verdade. A criança detecta o tom emocional reinante. Por isso, devemos falar-lhe muito suavemente, acariciá-la. A cada dia estou mais convencido de que o meio ambiente emocional no momento do nascimento tem profundo impacto e efeitos permanentes na vida do indivíduo.

– O que o leva a tal conclusão:

– A observação do desenvolvimento das crianças nascidas através da atitude não violenta. Pude acompanhar muitos casos e recebo informações de todos os que acataram em sua profissão a nova atitude. Essas crianças começam a falar e andar mais cedo do que as outras, além de se mostrarem mais confiantes em si mesmas e menos dependentes. E isso independe de latitude. No Brasil, por exemplo, onde minha pregação foi bem aceita e contam-se hoje às dezenas médicos praticando o nascimento sem violência, os resultados são os mesmos observados em crianças francesas ou de qualquer outra nacionalidade. Só escrevi meu primeiro livro porque pude observar, durante todos os meus anos em obstetrícia, o mal que se fazia ao ser humano. O recém-nascido era tratado como um objeto, manejado, examinado com rigor científico, mas sem calor humano. Se, por exemplo, um adulto é abordado na rua e tratado como um objeto, sua sensação é das mais intoleráveis. Não fisicamente, mas moralmente, pois ele foi anulado em sua pessoa, em sua personalidade. O mesmo ocorre com um bebê, só que com consequências psíquicas irreparáveis.

– Seu segundo livro – Shantala: Um Art Traditionnel – que trata de massagem em criança, amplia de alguma forma o conteúdo apresentado em Para Um Nascimento Sem Violência?

– A vida não começa quando se nasce, mas no útero. Esta existência uterina é feita de sensações e até mesmo de sonhos. Sem esquecer a riqueza de sons do próprio corpo materno e os que chegam do exterior, aos quais se soma um movimento contínuo. Isso, para a pequenina criatura em desenvolvimento, é extremamente agradável e acaba bruscamente com o nascimento. Ora, a Índia vem em nosso socorro e nos ensina práticas que ajudam a criança a compensar o insuportável sentimento de vazio pós-nascimento, através de um conjunto de técnicas de massagem que alimenta o corpo da criança sem sensações, eliminando a tensão e o medo. Essa prática e se insere perfeitamente na atitude de respeito ao ser humano, a partir do nascimento. É o amor se prolongando de forma duradoura, estabelecendo os liames mais profundos entre mãe e filho. Esta relação pelo tato harmoniza o desenvolvimento psíquico da criança. Pois bem, essa lição aprendi com as mães indianas, às quais, ao contrário do que se divulga, tratam os filhos com veneração. Infelizmente, no Ocidente, as crianças são colocadas em creches com a mesma informalidade com que se confiam embrulhos a um guarda-malas de estação ferroviária.

– O pai está necessariamente excluído desta relação com o filho?

– Sim, pelo fato de não partir, não amamentar, não ter útero. A relação entre mãe e filho é extremamente intensa durante o período de gestação e não deve ser eliminada bruscamente. Vou fazer uma analogia que pode parecer estranha. A cria do canguru nasce e é obrigada a ganhar a bolsa do corpo da mãe – que funciona como um útero – até se tornar independente. Com o homem acontece algo semelhante. Ao nascer não somos maduros e mesmo fora do útero devemos permanecer o mais próximo possível do corpo daquela que nos engendrou. Ou seja, sentindo seu cheiro, seus ritmos, suas vibrações. O homem deve participar desta relação como espectador, pois assim procedendo ele tomará verdadeira consciência de que a vida se perpetua pela mulher. Isto o fará encarar sua mulher com respeito e não como objeto de prazer. Não se pode é confundir as coisas e exigir da figura masculina atribuições próprias da mulher.

– Se mãe é, então, uma atividade de tempo integral que exclui, por exemplo, o trabalho fora do lar?

– A mãe é para a criança fundamental e insubstituível. No entanto, nossa sociedade tem atualmente olhos mecânicos para tudo que se apresenta. Uma visão de laboratório faz pensar que se dermos à criança leite artificial, se a colocarmos em incubadora, em creche, se a cercarmos de cuidados técnicos tudo estará perfeito. Esquecem que a criança tem necessidade de amor. De amor de mãe. Portanto, não fico nada espantado quando vejo adolescentes furiosos e sem perspectiva. A culpa não cabe a eles que não receberam o amor a qual tenham direito nos primeiros momentos de suas vidas. A maior parte sequer foi educada peças mães. Isto é imperdoável. As mulheres devem lutar para que numa sociedade feita por homens, tenha reconhecida a dignidade. Mas daí a imaginar que esta dignidade será ganha quando elas puderem se igualar profissionalmente aos homens, o erro da perspectiva é fatal. A dignidade da mulher reside, antes e acima de tudo, na faculdade de transmitir a vida. E ao se realizar como mãe, ela se realiza como mulher. Caso contrário sobrevém a frustração. Muitas mulheres afirmam que se recusam a ser “seres de parir crianças”. Tal afirmação é insensata e não leva em consideração o extraordinário milagre de fazer brotar uma vida. Quer nos agrade ou não, a realidade é esta. Ter filhos não deve ser encarado como uma tarefa inglória. É um dom extraordinário que exige abnegação e total devoção.

– E foi para corrigir esta visão deformada da maternidade que escreveu seu terceiro livro?

– Em Cette Lumière d’Où Vient L’Enfant viso basicamente a mãe. O livro se destina a dar à mulher que espera um bebê uma outra imagem de si mesma. Infelizmente, a tendência atual no Ocidente é ver a mulher grávida como uma enferma. Seres fracos necessitando permanecer sob vigilância médica; uma mulher que deve prestar atenção a uma série de pequenas coisas. Tudo isso é pura inverdade. A mulher grávida é habitada pela vida e por ela protegida. Ninguém deve duvidar do seu fantástico potencial de energia. Creio que, com esse livro de imagem e poesia, a mulher descobrirá, através do ioga, outra dimensão de seu corpo. Muitas podem sequer suspeitar que uma mulher grávida de nove meses seja capaz de executar tão variadas e relaxantes posições.

– Por que através do ioga?

– Desde minha primeira viagem à Índia venho aprendendo coisas de inestimável valor. E uma delas é o ioga que eu mesmo pratico. O ioga é filosofia em ação. Ele torna o corpo mais sensível, aguça os sentidos, aprofunda o espírito, revigora a forma de vontade, mexe com a totalidade do ser humano. Tenho mais total certeza de que a prática do ioga é, para a mulher grávida, a promessa de filhos robustos e saudáveis. Sei, igualmente, que vão me criticar muito por causa do ioga. Outro dia recebi carta de uma senhora que consultara seu médico acerca de minhas idéias. Por escrito, ele respondeu estar pronto “a acatar minhas sugestões caso sejam inseridas num quadro científico, que evidentemente só pode ser ocidental. Pois, como a senhora sabe, os únicos progressos científicos foram conquistados no Ocidente”. Esta posição preconceituosa revela vaidade e orgulho destrutivo. De uma só vez são anulados conhecimentos de civilizações, como a indiana e a chinesa. O pensamento ocidental tem de re-aprender a modéstia e a conviver com a simplicidade. Quanto mais críticas receber, mais seguro estarei de minhas concepções. Pois se nelas não houvesse algo de verdadeiro não suscitariam tão violentas reações.

Na Índia, a mãe ajuda o filho pequeno, ainda traumatizado pelo nascimento, aplicando-lhe um conjunto de técnicas de massagem. Assim, a criança perde as sensações de tensão e medo.

Dr. Basbaum: “Sensibilidade é uma coisa que a gente tem ou não tem”

Ao voltar de Paris onde esteve mais uma vez em contato com o Dr. Leboyer, o obstetra Cláudio Basbaum, introdutor do parto Leboyer no Brasil, diz que nada aprendeu de novo com seu mestre:

“Na verdade ele não me ensinou nada, pois não se pode ensinar alguém a ser sensível. Sensibilidade é uma coisa que a gente tem ou não tem. E o grande problema é que os médicos ainda não perceberam que lhes falta exatamente isso. Eles não têm idéia da importância que é o nascimento, vir ao mundo, transformaram o ato simples de nascer em uma intervenção cirúrgica, dolorosa para a mãe e traumatizante para o pequeno ser que nasce. Para a maioria dos médicos, a gravidez é uma doença e o recém-nascido apenas um paciente a mais. Por isso, a maior parte dos gestantes passa os nove meses fazendo exames e dietas e o bebê assim que nasce, é levado para um berçário – que não passa de uma enfermaria, pois ele é tratado por enfermeiras e não pela mãe”.

Depois de quatro anos utilizando esse método em suas pacientes, Cláudio afirma que Leboyer deu apenas o primeiro passo. “Ele teve coragem de romper com a medicina tradicional e fazer aquilo que achava certo. Aquilo que sua sensibilidade mandava fazer. Em Paris, conversando com Leboyer, eu falei da expressão de amor que há nos olhos da mãe quando amamenta seu filho recém-nascido. E ele não perguntou com surpresa: “Você põe o bebê para mamar assim que nasce?” E eu respondi com outra pergunta: ‘A gata não amamenta o gatinho?’

Com isso Basbaum demonstra não seguir exatamente a linha de Leboyer. Eles apenas acreditam nas mesmas coisas, ou seja, o bebê bem recebido ao nascer tem mais estrutura para domar o mundo. Enquanto Leboyer busca o ioga como forma de entrosar a mulher grávida consigo mesma, Basbaum pretende utilizar a acupuntura para substituir as drogas durante a gestação.

“Eu não quero absolutamente mitificar o nascimento. Sei que é um ato simples e, ao mesmo tempo, bastante complexo. Mas sei também que este é um momento sublime que deve ser compreendido por todos aqueles com o encargo de receber os bebês. Quem pode explicar essa mágica, que faz sair de dentro de um corpo um outro ser com vida? Eu só posso considerar isso uma mágica”.

Apesar de tantos anos transcorridos desde a publicação do primeiro livro de Leboyer apresentando seu método, ainda são poucos os médicos que o adotaram. E Basbaum não deseja nem ouvir falar no seu ensino nas faculdades:

“Não se pode querer ensinar as pessoas que devem amar seus semelhantes. E o parto sem dor e sem traumas é apenas isso, uma declaração de amor do médico à sua paciente, ao marido dela e ao pequeno ser que está vindo ao mundo. Que direito temos nós, médicos, de fazer sofrer uma criança, pendurando-a pelos pés assim que sai do útero da mãe? Que direito temos de tirar da mãe o contato imediato com seu filho? Os animais não se apartam de suas crias nas primeiras horas depois do nascimento. E isso é que é o normal. O papel do médico deve ser apenas o de amparar a criança, deve ter a compreensão de que a única forma de encorajar uma criança para a vida é receber-la bem.”

Uma das restrições que se poderia fazer ao parto Leboyer é que ele, apesar de normal, é privilégio de uma elite bem informada e, principalmente, de boa renda. Cláudio Basbaum refuta essa idéia:

“A única coisa que é preciso: um médico com disposição e desprendimento. A técnica ensinada por Leboyer foi apenas o primeiro passo, hoje já podemos dispensar algumas das etapas que ele cita. E conto um caso que me aconteceu: uma tarde, depois de ter feito um parto, estava já com minha maleta no corredor do hospital esperando o elevador, quando vi uma mulher em uma maca se contorcendo de dor. Era uma grávida que estava para dar à luz, mas ninguém achava o médico de plantão e a parteira tinha saído e deixado a pobre mãe sozinha. Não tive dúvidas. Tirei os sapatos – pois no centro cirúrgico não se entra calçado – arregacei as mangas, mandei tirar a camisola da gestante, lavei minhas mãos no álcool e mandei apagar a luz do foco sobre a mesa, e em cinco minutos o bebê nasceu. Imediatamente coloquei o bebê sobre a mãe, que chorava, me agradecia e abraçava o filho. Era um paciente do INPS, cujo filho nasceu sorrindo. Não precisei de luvas, de gorro nem de avental. Nem segui à risca tudo que Leboyer afirmou ser necessário. Segui apenas seu primeiro ensinamento: “É preciso receber bem os bebês.”

Em São Paulo, além de Basbaum, só dois outros obstetras se dispuseram a seguir Leboyer. Os três trabalham juntos, e já não sabem mais dizer o número de partos que fizeram. São unânimes, no entanto, em afirmar que a procura pelo método Leboyer seria muito maior se existissem mais médicos dispostos a adotá-lo.

Violeta Marien