Artigo produzido pelo dr. Claudio Basbaum a pedido da Comunicação do Hospital São Luiz.

O parto é um momento crítico, sem controle, irreversível, e, absolutamente, mágico. O processo do nascimento é um evento perturbador para o ser que está vindo à luz. O bebê, tímido e cansado “viajante”, ingressa em um mundo muito diferente da antiga realidade líquida intra-uterina e começa a viver sua grande aventura.

A consciência da importância desse instante para toda a vida de um ser humano está presente em mim há muito tempo. Em 1974, fui fortemente influenciado pelas idéias do médico francês Frederick Leboyer, defensor de um parto menos violento para o bebê. Procedimento que incluía um ambiente especialmente preparado: silêncio, pouca luz e, principalmente, o contato, logo após o nascimento, antes mesmo do primeiro banho, com o colo e o seio, nus, da mãe, para que se sentisse acolhido, bem-vindo, aquecido e acalentado.

Leboyer já questionava a experiência do nascimento em seu primeiro livro, “Pour une naissance sans violence” (em edição brasileira, 1974, “Nascer Sorrindo”), ficou conhecido pelo parto Leboyer. Em contato com essa obra original, e a partir de nossa convivência pessoal, comecei a me perguntar por que o parto se afastara tanto da natureza, tornando-se “medicalizado”, perdendo aquele clima condizente com o extraordinário momento.

Assim, como obstetra, passei a alterar radicalmente o ritual do nascimento, mesmo no caso de uma cesariana indispensável, acolhendo o recém-nascido com gestos simples, inocentes, com carinho, dedicação, sem angústia e sem pressa. Fui o primeiro a adotar tais práticas no Brasil, enfrentando, na época (anos 1970), muitas críticas e preconceito.

Com intensa satisfação, vejo, portanto, a disseminação das idéias de parto humanizado nos dias de hoje e, mais recentemente, a campanha do Ministério da Saúde com o tema “Amamentação na primeira hora, proteção sem demora”. Com base na orientação da Aliança Mundial para Ação em Aleitamento Materno (WABA) para a XVI Semana Mundial de Aleitamento, em agosto de 2008, e com apoio da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Unicef, a campanha incentiva o contato da mãe com o bebê logo após o parto e a amamentação imediata – antes mesmo do exame físico detalhado – como forma de reduzir drasticamente a mortalidade entre recém-nascidos.

Na minha prática ao longo dos anos, sempre observei, deslumbrado, a paz e o prazer que experimentavam os bebês, tanto ao contatar o corpo da mãe, quanto ao lamber ou sugar seus mamilos, já nos primeiros minutos de sua vida extra-uterina.

Hoje se sabe, com base em pesquisas científicas, que o colostro, líquido viscoso amarelo-dourado que o bebê poderá receber já nesses instantes é 20 vezes mais rico em anticorpos do que o soro da mãe (por exemplo, gamaglobulina) e propicia ao recém-nascido uma imunidade passiva, que durará seis meses, momento a partir do qual ele já estará apto a produzir seus próprios anticorpos.

O colostro é também a única substância capaz de eliminar todos os resíduos de mecônio do trato gastrintestinal do bebê, além de prevenir o aparecimento de alergias, infecções e diarréia, pelo adequado controle e equilíbrio das bactérias que se desenvolvem no seu intestino.

No dia do parto o colostro se apresenta ainda mais rico, daí as primeiras horas de vida serem chamadas por especialistas de “golden hours”. Segundo a Unicef, a amamentação na primeira hora pode evitar a morte de um número significativo de crianças em países em desenvolvimento, já que mais de um terço da mortalidade infantil ocorre durante o primeiro mês de vida (vale lembrar que ainda morrem quase 10 milhões de crianças com menos de 5 anos no mundo todos os anos).

Além de contribuir para salvar a vida do bebê, o aleitamento materno na primeira hora ajuda a mulher a ter leite mais rapidamente, e auxilia nas contrações uterinas, diminuindo o risco de hemorragia. Para a mãe, manipular e cuidar do bebê e oferecer a pele e o seio logo após o nascimento, depois de todo o desgaste do trabalho de parto, além da intensa gratificação emocional, faz desencadear no seu organismo amplo processo fisiológico que inclui a liberação de endorfina, ocitocina e prolactina.

Essas substâncias promovem, pela ordem, sensação de bem-estar, contração uterina e aumento de atividade das glândulas mamárias. As endorfinas levam à intensificação do sentimento maternal, daí serem chamadas de hormônios do amor pelo francês Michel Odent, autor de “Birth Reborn”, outro “revolucionário” do parto cuja obra é inspiradora.

A ocitocina contribui ainda para a expulsão fisiológica da placenta e para o controle do sangramento uterino, e a prolactina conduz à produção e à liberação inicial da verdadeira “vacina” que é o colostro. O leite materno é o único alimento capaz de oferecer todos os nutrientes na quantidade exata de que o bebê precisa para seu crescimento e desenvolvimento.

A amamentação também garante ao bebê proteção contra diarréia, alergias e outras doenças, como já disse, e à mãe, menos chances de desenvolver anemia, câncer de mama e de ovário, diabetes e depressão pós-parto. A Unicef estima que o aleitamento exclusivo até os seis meses poderia evitar, por ano, a morte de mais de 1 milhão de crianças menores de 5 anos.

Mas, ao enfatizar a importância da amamentação exclusiva nos primeiros meses, que é alvo de intensa campanha por parte do Ministério da Saúde, não podemos deixar de lembrar a dificuldade que algumas mulheres encontram para alcançar tal objetivo. Os motivos são vários: doenças, condições socioeconômicas, horários de trabalho inflexíveis, dificuldades emocionais, entre outros. A essas barreiras podemos acrescentar a angústia de não conseguir amamentar na primeira hora.

A essas mães posso dizer que a mesma ciência que hoje compreende a importância de se recuperar a naturalidade do parto desenvolveu recursos que podem ser usados por médicos obstetras e pediatras para contornar esses problemas.

Para além do leite, é fundamental que ao bebê seja dada a possibilidade de uma adaptação paulatina, suave, às suas novas condições. Pois é o novo que assusta, assim como vai ocorrer ao longo de toda a vida. Para Leboyer, o pequeno ser, que já vem do útero estruturado sensitiva, afetiva e organicamente, ao experimentar um nascimento humanizado desenvolverá condições psicológicas para enfrentar as grandes mudanças e transformações da existência. Serão crianças e adultos sem medo, com mais autonomia e segurança.

Às mães não cabe a culpa por não conseguir amamentar o quanto seria desejável, mas exigir informação e condições para que o parto seja de fato um momento seu e do seu filho. Além da nutrição da primeira hora, o bebê quer ser tocado, abraçado, sentir bem-recebido. Desses primeiros momentos ele vai extrair o alimento para a sua auto-estima futura e para o seu desenvolvimento saudável.