A ocorrência de apenas um abortamento espontâneo não aumenta a ocorrência de outro abortamento numa segunda gestação.
Usando a expressão correta, por definição, abortamento espontâneo, é a expulsão do produto de uma gravidez com peso menor que 500g ou com idade gestacional de menos de 20 semanas. Aborto é produto eliminado no ato de um abortamento.
A ocorrência de apenas um abortamento espontâneo não aumenta a ocorrência de outro abortamento numa segunda gestação. O risco de outro abortamento passa a ser considerado, apenas quando uma mulher já teve a interrupção espontânea de pelo menos três gravidezes anteriores consecutivas e antes da 20ª semana. Esta condição é chamada de “abortamento de repetição”.
Sabemos que o risco de um abortamento espontâneo numa primeira gravidez é de 15% na população em geral. Gravidez em uma paciente com antecedente de apenas um aborto anterior, não necessita de cuidados especiais ou investigações aprofundadas.
Este risco é de pelo menos o dobro naquelas mulheres portadoras de aborto de repetição. Nestes casos, devemos ir à busca das possíveis causas da perda gestacional: as de origem genética, as anatômicas, as endócrinas, as imunológicas, as infecciosas e as trombofílicas (associada ao risco aumentado de trombose venosa útero-placentária). Os cuidados dependerão das eventuais causas detectadas para as perdas anteriores, muito embora, mesmo após perdas repetidas, em cerca de 60% a gravidez é viável e tem um final feliz.
Uma vez reconhecida à causa das perdas sucessivas, o prognóstico desta nova gestação é positivo, muitas vezes requerendo apenas a manutenção das correções realizadas, como por exemplo, nas disfunções tireoidianas, nos distúrbios de coagulação, no diabetes e na hipertensão.
Assim, o manejo (clínico, cirúrgico ou expectante) estará sempre associado ao histórico, correção dos fatores e diagnóstico precoce. Entretanto, em cerca de 40% dos abortamentos, a causa não é reconhecida e tratamentos empíricos ainda são utilizados por alguns profissionais, quando da ocorrência de uma nova gestação, o que não é uma boa norma médica.
A escolha do tipo de parto, via alta (cesárea) ou via vaginal (parto normal) dependerá dos eventuais fatores causais de abortamentos pregressos, em particular, tratamentos que envolveram correção cirúrgica de malformações uterinas ou cirurgia de miomas (miomectomia), atos que podem deformar e fragilizar a parede muscular do órgão, predispondo a riscos de rotura uterina durante o trabalho de parto. Em outros casos de abortamentos anteriores, mesmo naqueles que não exigiram o esvaziamento da cavidade uterina através de aspiração ou curetagem, desde que bem realizados tecnicamente, não são exigidos cuidados diferenciados para o parto.
Aqui merece uma consideração para os casos de uma condição chamada “incompetência istmo-cervical” que é o encurtamento ou dilatação do colo uterino, que evolui de forma indolor e silenciosa, no segundo ou terceiro trimestre gestacional, levando a rotura prematura da bolsa das águas e/ou a um parto pré-termo (antecipado). Esta alteração em geral está associada à dilatação e curetagens anteriores, seja por abortamento ou hemorragias genitais pós-parto. A correção desta dilatação, quando existente, é feita cirurgicamente no curso da 12ª /14ª semana através de uma costura (chuleio) na região afetada, cujos pontos cirúrgicos deverão ser retirados nas vésperas da data prevista para permitir o parto normal.
Toda curetagem pós-aborto deve ser feita com delicadeza para evitar a formação de cicatrizes (sinéquias) dentro da cavidade uterina, as quais são fatores de infertilidade ou abortamento de repetição. É importante salientar que esta ocorrência felizmente não é tão frequente. É por este mesmo mecanismo que mulheres que se submetem a abortamentos clandestinos, muitas vezes agravados por infecção, podem adquirir uma infertilidade definitiva, mesmo após tentativas de ressecção dessas aderências por histeroscopia.
Autor: Dr. Claudio Basbaum
Publicado originalmente no Portal Minha Vida 24/07/2015