O parto normal afastou-se completamente do seu REAL significado em consequência da prática rotineira de procedimentos inúteis ou até mesmo prejudiciais ao processo da parturição e realizadas sistematicamente, haja ou não necessidade, como numa produção industrial em série.
Eu não estaria cometendo nenhum exagero em dizer que se transformou a singela experiência de “dar à luz a um bebê num parto normal”, em algo associado à uma complicada manobra médica.
Em matéria de minha autoria publicada neste mesmo Portal (novembro/2015), tive oportunidade de abordar mais detalhadamente os conceitos de “parto normal” e “parto humanizado”. Destaco estar havendo uma miscelânea de expressões, rotulando condições semelhantes como se fossem totalmente diversas.
Objetivamente, todas estas expressões (parto vaginal, normal, natural, humanizado) significam primeiramente o “ato de parir por via vaginal”. As diferenças vão ocorrer quando o tradicional parto normal (submetido à tantas intervenções e limitações) passa a ser conduzido como se fosse um “parto anormal”, muitas vezes com maior sofrimento e repercussões desfavoráveis à mãe e ao bebê. Talvez seja esta a explicação porque tantas mulheres tenham medo de parto normal.
Creio que foram esses aspectos que propiciaram a abertura para o conceito de “parto natural” (hoje complementado) com assistência humanizada.
A parturiente liberta, respeitada em suas expectativas e temores, empoderada e reassegurada consegue, sim , dar à luz como antigamente, passando a ser a protagonista principal daquela vivência tão especial. Compete à equipe médica, no seu papel coadjuvante, estar ao lado, atenta e eficiente, para só agir de acordo com as REAIS necessidades determinadas pela moderna medicina baseada em evidências, com melhores resultados tanto para a mãe, como para o recém-nascido.
Foram as distorções na conduta sobre o “parto normal” (aquele parto vaginal que requeria o mínimo de intervenções) que estimularam o surgimento do conceito de “parto natural” que envolve também , sem dúvida, os princípios que definem o “Nascimento sem Violência” preconizado por Frederick Leboyer²: resgatar a naturalidade no ato de nascer. Resgatar a experiência do gerar e do parir em todos os seus aspectos, preparando a mulher emocionalmente para assumir o seu novo papel, respeitando e obedecendo a fisiologia do trabalho de parto e salvaguardando a segurança que o momento requer, sem quebrar o encanto daquela cerimônia ímpar.
É isso que entendo como “parto natural com assistência humanizada”, para que se complete o círculo virtuoso da chegada de um novo ser em nosso planeta. Os benefícios do “parto natural” são inegáveis para o binômio mãe-bebê.
A mãe vivencia intensamente os tempos do parto, com mais segurança, serenidade e com significativa redução de queixas dolorosas, já que tem uma expectativa positiva de acolher o bebê em seus braços. A liberdade para caminhar e buscar a melhor posição para cada momento do trabalho de parto dá mais conforto, além de facilitar e agilizar o processo.
Para o recém-nascido, dentre os benefícios, podemos citar: a ligadura do cordão umbilical só após a parada de sua pulsatilidade (dando “um tempo” para que este aprenda a respirar pelos seus próprios pulmões), a melhoria dos índices de vitalidade nos primeiros minutos (Índice de APGAR), a redução de manobras como aspiração respiratória com sonda, o menor risco de doenças respiratórias e de bronco aspiração, o aconchego e amamentação no seio da mãe logo após o nascimento (que tanto facilita o vínculo afetivo entre mãe e filho, permite alimenta-lo mais precocemente, hidrata-lo e transmitir-lhe anticorpos que previnem a diarreia e a desidratação).
Para que uma gestante alcance seu objetivo de dar à luz através de um parto natural é importante que ela tenha um bom suporte na assistência ao pré-natal. Sempre que possível, o casal deve planejar, pensando em todas as etapas, não só da gestação, mas também sobre o parto e de como criar um filho. O casal deve adequar-se ao novo contexto físico, emocional, familiar, profissional e econômico que a gestação contempla. É etapa essencial para o amadurecimento pleno da mulher e da relação com seu companheiro.
O novo assusta! É o encontro com o desconhecido! É papel da equipe obstétrica conduzir o processo, desmistificando a gravidez e o parto como doença, como um estado anormal, mas ao contrário, reforçando-o como momento fisiológico que faz parte vital da condição humana. As informações antecipatórias sobre as mudanças e novidades farão com que as dificuldades sejam vividas e vencidas com muito mais facilidade, tanto durante a gestação quanto durante o trabalho de parto. Informada, utilizando seu poder de escolha e agora mais segura, a gestante/parturiente poderá viver amorosamente e com intensidade todas as fases, desde o saber-se grávida até o momento em que este amor se torna concreto, ao receber e conhecer seu bebê.
Notas do autor
¹. dentre os quais podemos mencionar: lavagem intestinal, raspagem dos pelos pubianos, jejum, corte sistemático no períneo( episiotomia), posição deitada durante todo o trabalho, rotura artificial e rotineira da bolsa das águas, uso indiscriminado de anestésicos e medicamentos para promover a contração uterina.
². Frederick Leboyer, médico obstetra francês que revolucionou (na segunda metade do século XX) a conduta e o papel da equipe médica no trato com a mãe e o bebê, no momento do nascimento, após temporadas sabáticas na Índia. Tais condutas foram divulgadas na sua obra “Pour une Naissance sans Violence” editada no Brasil sob o título “Nascer Sorrindo”.
Autor: Dr. Claudio Basbaum
Publicado originalmente no Portal Minha Vida em 03/02/2016