Convidamos 9 grandes especialistas em obstetrícia, atendimento a recém-nascidos, psicologia e anestesiologia para trocar ideias sobre os tipos de parto que se fazem hoje. O resultado está neste interessante debate, onde você poderá ler a análise dos pontos polêmicos dos diversos sistemas e conhecer melhor uma nova tendência que vem se firmando – a humanização.

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Grávida & Bebê – Gostaríamos de começar com a apresentação dos presentes, dizendo o que faz, porque escolheu esta especialização dentro da Medicina e explicando sua linha de trabalho.

Ida Kublikowsky – Psicóloga. Optei por trabalhar na área de desenvolvimento humano por ser algo que sempre me fascinou. Passei por várias etapas: estudar crianças, adolescente, até chegar ao adulto, quando percebi que havia muito pouca coisa em termos de psicologia feminina. Decidi então, dedicar-me mais a este campo e, consequentemente, cheguei à gravidez e parto, sempre procurando diminuir a ansiedade, os tabus e preconceitos que se criam em torno desta fase.

Dr. Jayme Kuperman – Sou obstetra, formado pela Escola Paulista de Medicina, onde sou Professor Adjunto. Interesso-me pela obstetrícia em termos tradicionais, e a única coisa que fiz que foge um pouco à ortodoxia é o curso psicoprofilático de preparação para o parto, o qual deixei de aplicar após 10 ou 15 anos de bons resultados porque parece que a incidência de cesáreas em nosso meio tornou-se muito intensa, levando o médico a perder um pouco de sua validade. Não tenho nenhuma formação especial no que tange a estes métodos que se propõem agora, e vim aqui para aprender alguma coisa sobre o assunto.

Dr. Eliezer Zac – Formado pela Escola Federal de Minas Gerais, em 73, escolhi a anestesiologia porque é a especialidade mais importante da medicina (risos) – pois tira a dor. Falando sinceramente, na maioria das vezes, é a mais alegre. No começo da minha carreira, como anestesista, percebi que tinha de ser um pouco “palhaço” na sala de parto, para ajudar a relaxar a tensão e fazer com que a paciente se sentisse mais à vontade comigo, até então um ilustre desconhecido. Faço parte, também, de uma equipe de psicoprofilaxia, que tem conseguido uma percentagem bastante alta de partos normais com anestesia.

Dr. Dráuzio Viegas – Sou formado pela Escola Paulista de Medicina. Hoje, sou pediatra, mas inicialmente meu interesse foi por obstetrícia. O atendimento a recém-nascidos, porém me cativou desde o princípio, e em 1961 me especializei em neonatologia pela USP. Como linha de trabalho, a humanização do parto, isto é, procurar dar à mãe e à criança um atendimento mais humano, me fascina demais. Creio que na Neonatologia, que é o setor da Pediatria dedicado ao atendimento do recém-nascido, e intimamente ligado à Obstetrícia, não existem escolas diferentes ou opostas, mas sim diferentes linhas de trabalho que se complementam em sua atuação.

“Fui pressionado, criticado, mas os frutos bons vieram”
Dr. Cláudio Basbaum

Dr. Cláudio Basbaum – Obstetra. Em 1960, prestei concurso para uma maternidade do Estado, fui aprovado em 1º lugar e não mais sai de lá. Acho que foi a vibração da aprovação. Mas realmente acredito muito no que faço, por índole, pela minha maneira de ser. Profissionalmente, passei por três etapas. Comecei como obstetra clássico, seguindo os ditames preconizados pelos mestres da obstetrícia, como a grande maioria faz, até que há cerca de dez anos, seguramente por um processo de evolução filosófica interior, pessoal, fiquei interessado no trabalho de um médico francês que havia trazido à luz a preocupação co o recém-nascido. Ele questionava se nascer era bom e o que poderia ser feito quando se concluía que não era. Nesta linha de um nascimento sem violência, preconizada por Frédérick Leboyer, fui em busca da “humanização”, se é que podemos chamar assim. Fui pressionado, questionado, criticado, mas os frutos bons vieram. Há cerca de três anos, convencido de que a natureza não erra e que se criou uma das maiores complicações da obstetrícia quando se deitou a mulher para dar à lua, passei a me dedicar também ao parto vertical.

Mary Kallas – Psicóloga. Desde os tempos da faculdade me interessei por profilaxia de partos e comecei a pesquisar o assunto: no 5º ano, fiz a especialização na própria clínica da escola e depois de formada especializei-me no Sedes Sapientiae. Hoje, faço parte de uma equipe de profilaxia da gravidez e parto, juntamente com Eliezer Zac e Eliezer Berenstein, promovendo uma série de encontros com casais grávidos, visando uma preparação ao parto através de aulas teóricas, práticas, relaxamento, aspiração, ginástica e vivência em grupo. Acredito que a aprendizagem de conhecimentos verdadeiros e corretos leva o casal grávido a combater o medo e a ansiedade que decorrem da gestação e que a convivência com outras pessoas em condições semelhantes lhes dá segurança e uma melhor compreensão da situação.

Dr. Paulo Schiller – Pediatra, formado pela Faculdade de Medicina da USP e há quase três anos um dos integrantes do berçário do Hospital e Maternidade São Luiz. Nos últimos 2 anos, sou também responsável pelo atendimento dentro da sala de parto, e há um ano e meio trabalho num grupo interdisciplinar de estudos sobre o relacionamento e a ligação entre pais e bebê, principalmente nas crianças de risco. Como disse o Dr. Dráuzio, em neonatologia provavelmente não existem linhas bem definidas de atuação como existem quanto ao tipo de parto. Mas, minha linha de conduta é não agressiva em relação ao recém-nascido, isto é, acredito que a tecnologia existe para as emergências, para o bebê que não está bem, ao nascer, e não para ser aplicada no recém-nascido normal, como uma rotina estabelecida. Porém, para poder adotar uma conduta não agressiva é preciso conhecer muito bem o atendimento tradicional, clássico, pois então o pediatra pode julgar, em poucos segundos, se a criança pode ser apenas observada enquanto enfrenta as transformações que acontecem durante e depois do parto, ou se é preciso adotar uma postura mai atuante, no sentido de auxiliar esta criança a se adaptar ao meio.

Dr. Eliezer Berenstein – Obstetra. Como o Basbaum, passei por 3 etapas. A primeira foi aprender o clássico, saber bem aquilo que já estava estabelecido. Na segunda fase, passei também a entrar na questão da “humanização”. Surgia, então, uma nova insatisfação: o fato de estar valorizando unicamente o parto, e não toda uma infra-estrutura para que ele ocorresse de forma humanizada. Hoje, acredito na importância da equipe obstétrica, numa tentativa de estabelecer coerência entre os vários integrantes do processo de maternidade e paternidade, de tal forma que os aspectos emocionais, pessoais e familiares da gestante se transmitam a toda a equipe. Adoto uma linha humanizada a partir da proposta Leboyer, e agora também a partir do parto vertical. Porém, a preparação durante o processo de gestação, o parto como um momento, a sequencia do planejamento familiar e a adoção de métodos coerentes com este plano são, para mim, o mais valorizado.

Dra. Maria Célia del Valle – Sou formada pela Universidade do Paraná, há 11 anos, e optei pela obstetrícia porque gosto dela. Até 1976, segui uma linha tradicional. Então, trabalhei por algum tempo com os índios Caiuás, no sul do Mato Grosso, e foi lá que descobri que existiam outras maneiras de dar à luz sem ser na posição de frango assado em cima de uma mesa. Foi bom, pois quando vim embora tive coragem de experimentar o método vertical. Ainda não tenho uma linha fixa de trabalho, uma proposta terminada, pois continuo aprendendo, mas estou tentando o parto mais humanizado possível, em que o pai participe. Percebi, também, que a maioria das mães tem capacidade e prazer em ficar com o bebê no quarto logo após o nascimento. Quanto à melhor posição para dar à luz cócoras, mas procuro ser sensível à posição em que a mulher parece se sentir melhor – deitada, de pé, de quatro. No entanto, garanto que a maioria se sente melhor de cócoras, ou de joelhos.

Grávidas & Bebê – Nestes últimos anos, parece ter havido mudanças importantes na conduta de alguns médicos com relação ao parto. O que mudou? Como poderíamos explicar este novo posicionamento?

Ida Kublikowsky – Acho que a medicina, e alguns médicos, estão passando a encarar a gravidez como algo que é uma continuidade na vida da mulher, e não uma fase da qual se sai para depois voltar ao normal. Há, também, um excesso de técnica, desnecessário, tanto em obstetrícia como no atendimento ao recém-nascido. Hoje, tenta-se voltar a usar procedimentos mais naturais, deixando à mulher uma tarefa de que ela pode dar conta sozinha. Seria o emprego racional da técnica, unicamente na medida da necessidade.

“O que vocês fazem hoje eu já fazia há 20 anos atrás”
(Dr. Jayme Kuperman)

Dr. Jayme Kuperman – Se alguém está fazendo algo novo, sob o ponto de vista de repercussão dentro da comunidade em que vivemos me parece um zero à esquerda, porque verifico, em todos os lugares, a prática da medicina obstétrica tradicional. Se existe alguém que não faz dessa forma é exceção, é elitista, e, no meu modo de ver, sem nenhuma abrangência, sem nenhuma penetração em nosso meio, de modo a poder-se falar em novos métodos de se assistir a mulher no parto. Há mais ou menos 10 anos, esteve em São Paulo o Dr. Lamaze, de Paris, que ministrou um curso de preparação para o parto que teve uma larga repercussão. Na verdade, gostaria de questionar se temos perspectivas de modificar as coisas em termos gerais, e não para uma pequena minoria. Como fazer para modificar?

Maria Célia del Valle – O senhor disse que aquilo que a gente faz talvez seja uma coisa tão pequena que ao estaria repercutindo em nada. Acontece que semente de cenoura também é coisa muito pequenininha, um pacotinho assim desse tamanho, e que dá um canteiro enorme. Estamos fazendo um trabalho de base, de conscientização da sociedade.

Jayme Kuperman – Me permite um aparte? A minha pergunta foi se há algum plano de ampliação disso, porque o que vocês fazem agora eu já fazia há vinte anos atrás. Me parece meio estranho a imposição da paciente, a imposição familiar, das vizinhas… mas não disse que valia a pena.

Cláudio Basbaum – Acho que a repercussão não foi um zero à esquerda, e não vem sendo. Aliás, está bem demonstrado pelo fato de aqui estarmos. Observo, também, que houve uma tomada de consciência das mulheres, que passaram a sentir-se amparadas por nós, que estamos fazendo este trabalho. Fico feliz de ter assistido e participado de vários encontros, por todo Brasil, nos quais senti esta tomada de consciência também nos obstetras, anestesiologistas, pediatras, psicólogos – aliás, são os que mais respaldo têm dado a este trabalho, talvez por se preocuparem mais com as emoções neste momento. Fiquei muito feliz, também, de ver o que ocorreu na Maternidade da Lagoa, no Rio de Janeiro – uma maternidade do INPS -, onde o parto Leboyer foi adotado oficialmente, inclusive com a presença do pai na sala. Como repercussão deste trabalho, vejo a campanha do alojamento conjunto, pois a preocupação do contato da mãe com a criança foi, seguramente, produto do trabalho que começamos a fazer há dez anos atrás em São Paulo. Este tipo de alojamento vem sendo adotado em maternidades do INPS do RJ, e na maternidade de Vila Nova Cachoeirinha, em São Paulo.

Jayme Kuperman – Me permite outro aparte? Há cerca de 20 anos, a Maternidade São Paulo adotou apartamentos com alojamento para a mãe e criança. Não sei por que razão, acabaram desistindo. Como vêem os senhores, isto também não é nenhuma novidade.

Eliezer Zac – Acredito que uma das causas da desistência foi a falta de educação das visitas, no quarto. Vejo pessoas fumando ao lado de uma criança, pegando nela, só faltando subir em cima do berço. Não adianta deixar a criança num quarto onde às vezes há 20 pessoas. Seria necessário educar a população, ou ter um quarto especial, um pouco mais resguardado.

Cláudio Basbaum – Concluindo meu pensamento, a licença paternidade e o próprio estímulo ao aleitamento natural, acredito serem também produto deste movimento. Portanto, acho que a repercussão não é um zero à esquerda, mas ela é vários zeros à direita.

Paulo Schiller – Tive uma resistência muito grande, por ocasião de meus primeiros contatos com o Cláudio Basbaum, ao tipo de trabalho que ele realizava. Eu estava no centro cirúrgico, recém-formado, e via um camarada fazendo algo completamente diferente, sem me deixar pôr em prática aquilo que eu havia aprendido. Com o tempo, um pouco de paciência, de vivência pessoal e através do contato com outros profissionais que fazem este parto mais humanizado, percebe-se que a criança vai bem e, às vezes, até melhor. Alguns trabalhos preliminares mostram que, dentro do berçário e mais tranquila, mais alerta e provavelmente ganha peso mais rapidamente. Na sala de parto aquecida de 20º a 25º, a criança normal não enfrenta o problema de perda de calor.

“Qualquer método, antigo ou novo, desde que comprovadamente bom, com o passar do tempo pode ser aceito”
(Dr. Dráuzio Viegas)

Maria Célia del Valle – Outro aspecto que gostaria de comentar é a respeito de mostrar o sexo do bebê para a mãe. Há uma política de poder, pois o médico, ou a enfermeira, se reservam esse direito. Acho que a mulher não se conforma simplesmente em olhar, ai que gracinha, está perfeitinho, não falta nenhum dedinho. Não é isso, ela quer abraçar, expressar toda a afetividade por aquele que esteve com ela durante 9 meses. É preciso devolver à parturiente o direito dela administrar seu parto – claro que dentro de uma relação de confiança com o médico respeitando-o se disser que o bebê não está bem e não vai poder ficar com ela logo após o parto -, deixar que ela seja a dona da cena. Desde que se deitou a mulher, como diz o Dr. Basbaum, o médico roubou a cena da parturiente, e é ela quem deve ser a primeira bailarina, a “prima dona” na sala de parto.

Eliezer Zac – Lá em Belo Horizonte, quando me formei, o parto era feito com anestesia geral. O anestesista, naquela época, era um artista, pois tinha que aplicar a anestesia na paciente sem “chumbar” a criança. Em Porto Alegre, seguia-se uma linha semelhante. Em São Paulo, onde me especializei, passei a usar bloqueios no parto, um anestésico que só tira a dor. Percebi que quanto mais se conseguisse relaxar a mãe com uma boa analgesia, mais rápido era o parto, mais ela participava, menos sofrimento e angústia havia. Hoje, consigo fazer uma peridural contínua com a mulher andando, sentada, de cócoras ou na posição que bem entender. Porém, a realidade nos hospitais da periferia e convênio com o INAMPS é diferente. Há um plantonista e 20 pacientes, e a maioria delas nunca freqüentou um curso, e entram no hospital achando que parto é na base do grito, quem grita mais dá à luz primeiro. Para driblar isso, comecei a fazer peridural de rotina nas pacientes. Voltando um pouco à questão da desumanização, o método não é desumano, a estrutura da medicina é que está se tornando desumana frente a um padrão maior que é o INAMPS. Não podemos nos comparar com o que acontece em hospitais de periferia. Somos uma minoria.

Dr. Jayme Kuperman – Me parece que está havendo uma massificação, e dentro disso é que talvez nós tenhamos que procurar um caminho melhor. Quando o Eliezer diz que intervém, está modificando a estrutura daquilo que está vendo todos os dias.

Dr. Dráuzio Viegas – Acho natural pensarmos que a vida está mudando. Eu vi muita transformação, de 23 anos para cá. Há 10 ou 12 anos, havia uma mecanização muito grande no atendimento ao parto, e hoje procura-se entender bem o que acontece com aquela mulher que está dando à luz, com a criança que vai nascer, com a família que está envolvida. Quem está na sala de parto deveria ser somente intermediário no nascimento da criança, mas, na prática, a equipe médica domina o ambiente, e a mãe fica muito passiva. Isso de na hora do parto você colocar a criança ao seio da mãe, deixar mãe e filho se olharem, se tocarem, pode ter sido uma conduta já introduzida muitos anos atrás, mas de uma forma muito individual, dependendo de cada obstetra. Daí a validade destes novos métodos, o Leboyer, o natural, etc., do ponto de vista de tornar o nascimento mais humano, mais carinhoso. Qualquer método, antigo ou novo, desde que comprovadamente bom com o passar do tempo, pode ser aceito. Não fiquei muito satisfeito com as respostas que o Dr. Leboyer, quando esteve em São Paulo, forneceu sobre a parte técnica do seu método, MS nem por isso ele perde o valor. O parto de cócoras também tem seu valor, mas quando converso com obstetras eles questionam como fazer analgesia na mulher que está nesta posição, como atender direito a criança que está nascendo de cabeça para baixo. Sou muito aberto a coisas novas, mas acho importante separar o joio do trigo. Se o parto Leboyer é bom, o tempo é quem vai mostrar, com a verificação das condições de nascimento e evolução dessas crianças: o mesmo vale para o parto de cócoras, para o parto natural é assim por diante.

“Estamos voltando ao parto natural”
(Mary Kallas)

Jayme Kuperman – Dr. Dráuzio, desde que me dedico à medicina, à obstetrícia em particular, a minha preocupação é ser carinhoso com a paciente. Estabelecer a união entre mãe e filho. E também sempre fui a favor do aleitamento. Portanto, não vejo muita mudança nesse sentido. Claro que há nuances entre os médicos, cada um com a sua personalidade, seu temperamento, alguns mais agressivos, outros não, mas isto acontece em qualquer atividade. Lembro do trabalho de um professor chileno, sobre parto natural, onde ele dizia que era momento de libertar a criança da escuridão, dos vales e precipício e os perigos, de dar-lhe a luz através de uma foram mais humana – a cesárea. Há 15 anos, ele dizia que era preciso usar a tecnologia da cesárea para a libertação da criança, e que os outros métodos no futuro não mais seriam considerados. Isto é a opinião do professor chileno sobre o futuro do parto.

Dr. Dráuzio Viegas – Em meu início como obstetra, e mais tarde como pediatra, não vi muitos obstetras assim tão cuidadosos no relacionamento, tão carinhosos. O Sr. Tem uma maneira muito humana de conduzir as coisas, e creio que por isso projeta o seu modo natural de trabalhar para os outros médicos, o que é uma particularidade sua e não a maneira geral de todos trabalharem.

Cláudio Basbaum – Retomando a questão do parto humanizado, a meu ver ele é, também, a importância da atmosfera emocional encorajadora que deve haver no momento do parto e do nascimento, através da qual estaremos dando autoconfiança à mulher e, portanto, uma melhor qualidade da gravidez, do parto. Chamamos isto de profilaxial mental, tanto para a mãe como para criança. As experiências mais primordiais da vida de uma pessoa, que acredito virem desde a gravidez, são capazes de deixar marcas. Portanto, desde a vida intra-uterina devemos criar condições sociais encorajadoras, e também temos a obrigação de corrigir as condições defeituosas do parto. E, acredito que o médico deve ter consciência de que o nascimento não é um ato médico, permitindo que a paciente dê à luz à maneira dela, sob seus olhos preparados, cuidadosos e atentos. Outro aspecto que vejo na humanização é a comemoração do nascimento, assim como se comemoram batizados, primeiras comunhões, aniversários, através de uma cerimônia de respeito a este ser que está chegando a um mundo estranho, de uma viagem cansativa. Ele merece todo o nosso carinho.

Mary Kallas – Estamos voltando ao parto natural, de uma maneira mais consciente. Antigamente a mulher esperava pela dor e ai para o parto sem conhecer absolutamente nada do que ia se passar com ela. Hoje há uma preocupação maior com o sentimento da mãe e do bebê, a ponto de se ter até psicólogos participando do parto.

Paulo Schiller – Parto humanizado não é Leboyer, não é parto de cócoras ou parto com determinado nome, somente; é, também o uso de drogas, de fórceps, de monitores, de cesáreas, de toda esta tecnologia de aspiração, de estímulo ao recém-nascido com mais sabedoria e mais restrição. É a não intervenção rotineira do médico, mas a presença dele. E, mesmo quem faz o parto Leboyer, ou de cócoras, ou humanizado, tem que saber reconhecer o momento de intervir com segurança, com um obstetra ou pediatra tradicional. Mas acho que isto esta sendo feito em um número muito maior de vezes do que é necessário.

“Onde fazer estes partos tão humanizados?”
(Eliezer Barenstein)

Eliezer Berenstein – Muito mais que sair difundindo a largos brados estas idéias, vale dar o exemplo individual, singelo, a cada parto que se faz, a cada atividade que se tem. Procuro transmitir minha postura a cada interno e a cada residente que aprende um parto comigo, ainda que nos outros dias eles tenham uma visão mais clássica, diferente da minha. Acredito que a difusão da idéia é uma bola de neve que irá crescer; a humanização é uma tendência que vai ser transmitida a uma nova geração de obstetras, a partir de seu próprio questionamento. E a minha contribuição pessoal é não estabelecer uma relação só médico-paciente, mas extrapolar para uma relação equipe-família, isto é, não marginalizar os outros profissionais que vão ter contato com a paciente, e não marginalizar a família, não só no momento do parto mas durante todo o ciclo da gestação. No início de minha carreira, um dos fatores que atrapalhou a realização destas idéias foi a maternidade: onde fazer estes partos tão humanizados, onde contar com a melhor tecnologia, que possibilitasse a melhor assistência obstétrica, mas que fosse a menos agressiva? Foi difícil. Mas, se a gestação é acompanhada de forma humanizada, é importante que a maternidade siga a mesma linha.

Maria Célia del Valle – O parto tem um fator social, também. Deveria ser um momento muito importante de união da família, mas tem sido um momento de separação: temos um senhor lá no corredor fumando um cigarro atrás do outro, nervoso, a mulher dele na sala de parto entre gente estranha, se ela não tem um médico particular, e uma criança no berçário entre um monte de enfermeiras estranhas. Supomos que o pai estivesse muito perto da mãe quando o bebê foi concebido, e acredito que não haja problema algum ele ficar perto também na hora do parto. Esse pai, que antes deixava todo o trabalho de cuidar do nenê para a mãe, agora se preocupa em dar banho, em trocar fralda. Ao humanizar o parto, estamos também mudando a sociedade. Paralelamente, temos notado que quando o bebê fica perto da mãe, na primeira hora de nascido, o grau de contaminação é praticamente nulo e quase na há infecção umbilical. Além do mais, o leite vem antes e a mãe amamenta por mais tempo.

Cláudio Basbaum – Para efeito de esclarecimento, existe um fundamento fisiológico que explica a melhora do aleitamento. No parto vertical, a mãe pode ver o nascimento do seu filho; participar visualmente estimula de uma maneira muito intensa o seu hipotálamo e, naturalmente, a produção da prolatina, que é o hormônio central que leva ao aleitamento. Por outro lado, quando a criança é colocada, logo após nascer, junto ao corpo de sua mãe, instintivamente irá tocar nas mamas, sugar – e isto também funciona como um estímulo para a produção de leite.

“Faça força, minha filha!”
(Maria Célia)

Maria Célia del Valle – Outro aspecto que gostaria de levantar é o faça força, minha filha. Em minha primeira experiência de parto, quando ainda cursava o 1º ano de medicina, lembro-me de uma senhora deitada, o médico dizendo: “faça força, minha filha, força, mais força!” e ela se exaurindo. Se o bebê está bem, nós estamos controlando o processo, não há razão para se apressar a sua chegada. Força excessiva e fora de hora diminui a oxigenação do bebê. Além disso, Cláudio e Moysés Paciornik, dois obstetras paranaenses que “re-descobriram o parto de cócoras” perceberam que, se não mandassem fazer força, a mulher só iria fazer quando sentisse necessidade, algo espontâneo e o períneo não se rompia. Gostaria, ainda, de esclarecer uma dúvida levantada pelo Dr. Dráuzio, quanto a possíveis dificuldades que o médico enfrentaria para trabalhar com a mulher em posição vertical. A fantasia que os médicos fazem é que o períneo fica totalmente voltado para o chão, paralelo a ele, impedindo a visualização e isto não é verdade. Ele fica inclinado, de forma que temos uma visualização perfeita.

Dr. Cláudio Basbaum – Talvez o melhor parto seria realizado por um psicoparteiro, do ponto de vista de ser alguém que está lidando com vida e está trabalhando no momento de maior vibração emocional que a mulher pode ter, a suprema realização da feminilidade: a procriação e parturição.

Ida Kublikowsky – Gostaria de levantar uma questão: até onde a própria anestesia não estaria interferindo na relação mãe-filho, a partir do momento em que a mulher não vivencia uma etapa importante do parto? Por outro lado, estamos discutindo muito o papel do médico, e deixamos de levar em conta o papel da mulher no parto. Há uma série de conflitos pelos quais ela passa, que muitas vezes impedem a realização satisfatória do ato de dar à luz. Por exemplo: há mulheres que chegam ao consultório aos 6 meses de gestação, e dizem nunca terem sentido seus bebês. É um tipo de mulher que nega o seu próprio corpo, e provavelmente vai deixar tudo nas mãos do médico: nem a tal “forcinha” ela vai fazer. É aquela que conta o anestesista subiu na minha barriga e empurrou. Na medida em que ela está bem consigo mesma, ela é capaz de suportar inclusive a dor – mesmo porque esta dor vem muito em função dos preconceitos e de tudo o que se diz de horrível sobre o parto.

Maria Célia del Valle – Apesar de se dizer que não existe dor no parto, que o que há é contração, gostaria de dizer que existe dor. Parto dói, na maior parte das vezes. O que conseguimos através do relaxamento é minimizar ou diminuir. É importante, a meu ver, esclarecer este ponto, porque muitas mulheres se sentem culpadas ao sentirem dor ao dar à luz, já que disseram para elas eu não há dor.

Ida Kublikowsky – Mas acho que é muito a não aceitação de uma sensação nova.

Maria Célia del Valle – Entre as índias dói?

Ida Kublikowsky – Dói, mas elas têm uma outra maneira de encarar a dor. Elas não têm uma aspirina na mão, e isso torna o seu limitar diferente do nosso.

“Há muitos obstetras que preferem fazer a cesárea porque ela é programada”
(Dr. Eliezer Zac)

Eliezer Zac – Primeiro, a analgesia já está bem avançada hoje, e temos condições de fazê-la com a paciente sentindo todos os momentos do que está ocorrendo. Depois, gostaria de chamar a atenção para uma novidade, as endorfinas que são aquelas drogas intrínsecas ao organismo que tiram a dor, e que já estão sendo sintetizadas em laboratório. Acredito nelas como a anestesia do futuro, dentro de 10 ou 20 anos. Quanto à cesárea, acredito que se ela fosse boa, Deus colocaria direto um buraco na barriga. Gostaria também, de fazer uma pergunta e um alerta. A pergunta: o excesso de pressão sobre o cérebro do bebê, no momento em que ele está na posição vertical, não traria uma provável ruptura nos vasos intracranianos? E o alerta é sobre a tendência de fazer parto domiciliar, do meu ponto de vista perigosíssimo – já tive dois casos de pacientes que ficaram com a placenta retida e entraram em hemorragia violenta. Acho que devemos voltar às origens, mas nem tanto, se temos recursos devemos criar um bom ambiente hospitalar, humano.

Jayme Kuperman – Quero lembrar algo. Há 20 anos atrás, o médico psico-profilático era tão difundido que era moda, era bossa, e importantes parteiros do Rio e de São Paulo faziam alarde dele. Nós, psicoprofiláticos, contestávamos a existência da dor, e a atribuíamos a um reflexo condicionado.

Maria Célia del Valle – A ocasião social influi muito, e hoje temos uma consciência ecológica.

Grávida & Bebê – Como poderíamos explicar o aumento no número de cesáreas?

Eliezer Zac – Há muitos obstetras que preferem a cesárea porque ela é programada. É muito mais fácil fazer a cirurgia numa terça-feira, dar alta para a mãe na sexta e ir para o Guarujá no fim de semana – infelizmente, a verdade é esta. O segundo ponto é que um parto normal é pessimamente remunerado, devido ao tempo e paciência que demanda: houve, inclusive, uma coqueluche entre os médicos, de fazer cesárea porque ela era mais importante e mais bem remunerada. Mas isto já está mudando, pois os honorários do médico são os mesmos para um parto normal e para uma cesárea. Do ponto de vista da programação, se o médico quer e precisa tirar férias, ele simplesmente não aceita mais pacientes para aquele período previsto, e paciência.

Ida – Gostaria de fazer um comentário a respeito do ritual do nascimento, que o Dr. Cláudio afirmou não existir. Existe, sim, e é terrível: a mulher entra na maternidade e passa por uma tricotomia, por uma eteroclisma, lavagem, soro, assepsia, tudo muito agressivo. Em meu segundo parto, saí da sala e pedi para a enfermeira dar uma paradinha no berçário para que pudesse ver minha filha, e ela respondeu que não podia, que era contra as normas. Realmente, existe todo um sistema de poder, e as mulheres costumam aceitar suas normas de uma forma totalmente passiva.

“Do ponto de vista psicológico, é difícil determinar se foi o tipo de parto que provocou um QI mais alto (na criança)”
(Ida Kublikowsky)

Dráuzio – Queria comentar sobre a presença da hemorragia intracraniana, quando a criança nasce em parto vertical. Há cerca de 2 ou 3 anos, o professor Caldeyro Barcia realizou pesquisas em Montevidéu, onde trabalha com parto natural, e não verificou maior incidência de problemas em crianças nascidas neste tipo de parto. Por outro lado, não tenho encontrado trabalhos que mostrem se determinados tipos de partos denominados “modernos”, como pelo método Leboyer, por exemplo, são melhores ou piores para o recém-nascido, e isso me deixa um pouco inseguro. Acho difícil, por exemplo, analisar emoções; é difícil analisar Leboyer. Faltam-nos relatos, nestes tipos de parto, sobre se o bebê vai ter mais problemas respiratórios, maior falta de oxigênio nos tecidos, maior incidência de síndrome de membranas hialinas, etc. Como podemos ter certeza que ela vai ser uma criança de qualidade melhor, tanto do ponto de vista imediato, como tardiamente, se não existem trabalhos científicos bem conduzidos?

Paulo Schiller – Há, comprovadamente, uma incidência maior de membranialina em crianças que são avaliadas erroneamente em termos de idade gestacional, e de complicações pulmonares em crianças que nascem através de cesárea. Existe um trabalho feito na Brown University da Califórnia, EUA, que relaciona ansiedade da mulher com trabalho de parto complicado. Há trabalhos ainda preliminares e, portanto não conclusivos que procuram mostrar a influência do tipo de parto sobre a personalidade da criança: parece que há um quociente intelectual mais elevado naquelas que nascem de partos mais naturais ou mais humanizados. Alguns autores procuram até relacionar o parto tradicional a um número maior de desvios de comportamento.

Dráuzio – Curioso é que fizemos, durante todo o ano de 1980, no Hospital Albert Einstein, um estudo em cerca de 3 mil crianças, para verificar se aquelas nascidas por cesáreas tiveram mais problemas do que as nascidas através de parto normal. E, para surpresa nossa, a incidência de problemas respiratórios, infecciosos, metabólicos, etc., foi exatamente igual. Apenas icterícia aparecia com mais freqüência em cesárea do que nos outros tipos de parto.

Ida Kublikowski – Sob o ponto de vista psicológico, há muitas variáveis intervindo, e torna-se difícil determinar se foi o tipo de parto que provocou este QI mais alto ou se a escolha da mãe por um parto mais natural não refletia uma aceitação mais plena de seus aspectos femininos, determinando uma relação melhor com o bebê e consequentemente dando melhores condições de desenvolvimento a esta criança.

Mary – Quanto ao desenvolvimento mental, existe uma pesquisa comprovando que a estimulação que sofrem a cabeça e o corpo do bebê no parto natural (durante as contrações e ao passar pelo canal vaginal) influencia e estimula seu desenvolvimento físico e mental de uma maneira muito positiva.

Grávida & Bebê – Para encerrar nosso encontro, gostaríamos de ouvir a opinião dos senhores sobre como escolher o tipo de parto que se quer ou se pode ter.

“O pediatra pode ajudar na escolha do tipo de parto”.
(Dr. Paulo Schiller)

Dr. Eliezer Berenstein – A diretriz que deveria nortear as equipes obstétricas atuais é jamais dissociar o progresso tecnológico do contexto psicológico, emocional e humano do nascimento. Com base neste raciocínio, a gestante terá a possibilidade de escolher, por si mesma, qual o tipo de parto que quer ter.

Dr. Paulo Schiller – Quero ressaltar a importância, sempre que possível, do contato pediatra-futura mãe antes do nascimento, pois o pediatra pode ajudar o obstetra na identificação de expectativas, de anseios e, inclusive, na escolha do tipo de parto que vai ser feito.

Dr. Jayme Kuperman – Desde que o profissional domine a arte que ele se propõe a executar, passa a ser o ideal.

Dr. Cláudio Basbaum – Eu resumiria lembrando que devemos ver o parto como um momento desconhecido, incontrolável, e irreversível, do qual ambos – médico e paciente – devem participar com liberdade, lucidez e cooperação.

Dr. Dráuzio Viegas – Atualmente, a mãe pode escolher o método de parto que desejar desde que seja bem orientada no pré-natal, e não seja mal-informada. No momento do parto, conforme as condições materno-fetais, o método poderá ser modificado. O essencial é humanizá-lo sempre.

Participaram deste debate: Dr.Cláudio Basbaum, obstetra, introdutor do Nascimento Leboyer no Brasil, especialista em reprodução humana pela Faculdade de Medicina de Paris e Doutor em Medicina pela Unicamp; Dr.Dráuzio Viegas, pediatra neonatologista, Professor Titular de Pediatria e Puericultura do Departamento de Saúde Materno-Infantil da Faculdade de Medicina da Fundação do ABC e Chefe da Unidade Neo-Natal do Hospital Ibirapuera; Dr.Eliezer Berrenstein, obstetra, especialista em Ginecologia e Obstetrícia pela Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, Auxiliar de Ensino na Faculdade de Medicina da Fundação Universitária do ABC; Dr.Eliezer Zac, anestesiologista, do Grupo dos Anestesiologistas Independentes e da Uniar – Unidade de Anestesiologia Médico-Odontológico; Ida Kublikowsky, psicóloga, professora do Departamento de Psicologia do Desenvolvimento – Psicologia da Gravidez, Parto e Puerpério da PUC – SP, consultora de psicologia de Grávida & Bebê; Dr.Jaume Luiz Kuperman, obstetra e ginecologista, Professor Adjunto da Escola Paulista de Medicina, Dra.Maria Célia del Valle, obstetra e homeopata; Mary Kallas Franco de Campos, psicóloga, especializada em psicoprofilaxia do parto, através do Instituto Sedes Sapientiae; Dr.Paulo Schiller, pediatria e neonatologista do Berçário do Hospital e Maternidade São Luiz.