“Cortar o cordão logo que a criança sai do ventre materno é um ato de grande crueldade.” Eis uma das afirmações do Dr.Leboyer, no livro que se propõe a romper com tudo o que tem imperado em matéria de nascimento de uma criança. Para ele, o processo até hoje empregado é responsável por traumas que o bebê sobre e depois se transformam em neuroses.

Texto: Marilda Varejão

Quanto tempo deve-se deixar a criança no banho? Ela é quem deve decidir.

“Mas… dirão todos, você está fazendo amor com essa criança!
Quase.

Fazer amor é retornar ao paraíso, é mergulhar no mundo de antes do nascimento, de antes da grande separação. É reencontrar a lentidão primordial, o ritmo cego e todo poderoso do mundo visceral, do grande oceano. Fazer amor é a grande regressão. Aqui é o contrário. Trata-se de ir adiante. De facilitar a passagem, tornando-se aceitável, agradável, deliciosa, e não terrificante, repulsiva.

O que fazermos aqui é acalmar a angústia de um expatriamento total, prolongando um estado no novo estado. É acompanhar a criança. É acalmá-la fazendo correr ainda sobre suas costas a sombra da onda uterina que conheceu e terminou por amar durante tanto tempo.
Sim, fazer amor é o remédio soberano para a angústia, é reencontrar a paz e a harmonia. No desastre que é o nascimento, não é justo usar esse soberano modo de encontrar a paz?”

(Do livro Nascer Sorrindo, de Frederick Leboyer)

Depois de participar de algumas centenas de partos, Frederick Leboyer, um obstetra francês, chegou a conclusão de que as antiqüíssimas técnicas empregadas para trazer um bebê ao mundo são o processo mais eficiente para produzir traumas e, consequentemente, adultos neuróticos. A partir daí, ele criou um revolucionário método obstétrico e uma enorme celeuma: enquanto milhares de mulheres fazem planos para o nascimento do próximo filho, os conservadores protestam contra a abolição de um processo tão velho quanto a própria humanidade. A controvérsia é tamanha que órgãos da imprensa francesa, como a revista Elle e o conceituado jornal Le Monde, começaram a se manifestar a respeito. A revista foi taxativa: afirma que se a nova técnica for adotada, haverá um aumento nos índices de mortalidade infantil. O jornal, mais cauteloso, pergunta: haveria realmente alguma conseqüência indelével para essas crianças?

À primeira vista, a nova técnica tem, de fato, efeitos positivos. Tanto que um número considerável de obstetras começa a adotá-la. Mas, afinal, em que consiste esse tão revolucionário método? Ele, simplesmente, se apóia na eliminação dos fatores ambientais que possam traumatizar a criança: assim que a cabeça do recém-nascido se torna visível, as luzes da sala de parto enfraquecem e as vozes se transformam em sussurros. Então, lenta e cuidadosamente, o bebê é retirado. E, quando emerge completamente, a criança é colocada no ventre de sua mãe, ficando ali enquanto a enfermeira o acaricia. Dez minutos mais tarde, quando a criança começa a respirar normalmente, é que o médico corta o cordão umbilical e lhe dá um banho de imersão, procurando transmitir ao bebê a impressão de que ele está de volta ao tranqüilo ambiente onde viveu tanto tempo.

É o Dr.Leboyer quem explica em seu livro: “Cortar o cordão logo que a criança sai do ventre materno é um ato de grande crueldade. E cujos efeitos são mal avaliados. Conservá-lo intacto enquanto pulsa, transforma o nascimento. Obriga, em primeiro lugar, o obstetra a ser paciente. É convidá-lo, bem como a mãe, a respeitar o ritmo da criança.”

Sobre o banho, diz o médico: “Quanto tempo deve-se deixar a criança no banho? Ela é quem deve decidir. É preciso sentir que a distensão foi completa, que nesse pequeno corpo não há mais a menor resistência, a menor contração, a menor dúvida. É preciso perceber que tudo se mexe, que tudo se movimenta, que tudo está alegre.”

É tudo absolutamente natural

Aos que o contestam, o Dr.Leboyer lança um argumento decisivo. O médico francês lembra que a sentença terás um parto cheio de dor vinha também do fundo dos tempos. No entanto, a antiga maldição passou: as mulheres, hoje em dia, dão à luz com a fisionomia radiante. É verdade, lembra o obstetra, que as mães podem ser preparadas para o parto sem dor. Mas, se não é possível mandar o bebê assistir aos cursos preparatórios freqüentados por suas mães, há meios de explicar ao recém-nascido que tudo porque está passando é “absolutamente natural”. O Dr.Leboyer afirma que se a criança não fala, ela sente tudo: “Tudo, totalmente, sem escolha, sem filtro, sem discriminação. A quantidade de sensações que a assola no nascimento ultrapassa tudo o que possamos imaginar. É uma experiência sensorial tão vasta que não podemos mesmo concebê-la.”

E, por esta razão, ele pergunta: “O pequeno ser humano não tem, por ventura, o mesmo direito, como qualquer filhote de mamífero, de ser cumprimentado com o calor e ternura e de se orientar lentamente neste novo ambiente?”

Para o Dr.Leboyer, “é preciso falar de amor ao recém-nascido”. Segundo ele, esta é a linguagem que o bebê entende: a linguagem dos amantes. Diz o médico: “Os amantes não falam, se tocam. São tímidos, pudicos. Para se tocarem, se acariciarem, é no escuro que se ama. Apagam a luz. Ou simplesmente fecham os olhos.” E, é exatamente desta forma que o obstetra francês faz seus partos:

“As coisas, na realidade, são muito simples.
Comecemos pela visão.
Vamos fazer como os amantes: coloquemo-nos no escuro.
Nossa atenção e a sensibilidade de nossas mãos aumentarão.
Mas, principalmente, os olhos da criança não serão ofendidos.
Lógico que é preciso ter cuidado com a mãe, para evitar que ela se dilacere quando sai a cabeça do bebê. Mas as lâmpadas cialíticas e os projetores são desnecessários.”

(Do livro Nascer Sorrindo, de Frederick Leboyer)

Entre as vantagens da sala quase às escuras, o médico francês salienta que, desta forma, a mãe distinguirá vagamente os traços do bebê. E ele acha melhor que seja assim, uma vez que os recém-nascidos são quase sempre feios – quem diz é o Dr.Leboyer – e estão desfigurados pelo pavor. A reação da mãe – achando seu filho feio – acabaria ofendendo a criança.

“É melhor que a mãe descubra seu filho tocando-o primeiro.
Que o sinta antes de ver.
Que perceba a vida quente, palpitante.
Que se emocione através das mãos, da carne.
E não através de um julgamento.
Que abrace o bebê em vez de olhá-lo.
Terá muito tempo para vê-lo, mais tarde. Quando ele tiver adquirido sua verdadeira fisionomia.
No momento, que se contente em falar com ele, em tranquilizá-lo, tocando-o.
Ambos, mãe e filho, só têm a ganhar com esse primeiro encontro quase na obscuridade.
Quem mais ganha com isso são os olhos do bebê, que são poupados da queimadura pela luz.

(Do livro Nascer Sorrindo, de Frederick Leboyer)

Cláudio Basbaum, 35 anos, pernambucano, cursos em Paris, 13 anos de obstetrícia, casado e pai de filhos, um dia leu o livro de Leboyer.

Achou um pouco poético: o obstetra francês se coloca na posição de um feto ou recém-nascido. Basbaum não consegue sentir a coisa assim. De qualquer forma, há muito vinha sentindo a necessidade de inovar nos métodos tradicionais. O Dr.Basbaum lembro que Helô, sua mulher, estudante de Psicologia, quando teve a sua Claudinha, ficou chorando:

– Ela, muito emocionada naquela hora, pediu para ficar um pouco com Claudinha. Mas não deixaram. Helô reclamou: “Carregar tanto tempo um nenê na barriga e depois ele sumir assim!” Aliás, Helô não foi a primeira mulher que vi ter esta reação. Muitas das minhas barrigudinhas pediam para deixar seus filhos com elas um pouquinho, “só um pouquinho”. Muitas barrigudinhas me perguntavam, aflitas, quando é que iam ver seus filhos de novo…

Por tudo isso o Dr.Basbaum começou a achar que seu colega francês tinha razão. Releu o Leboyer umas 10 vezes. Até que chegou a certas conclusões:

– Procurei sair um pouco da poesia dele, mas acabei chegando a um caminho semelhante. A mulher precisa vivenciar o nascimento do seu filho. Submetida a um parto assim, a mulher curte tanto estes primeiros momentos do filho, que cria um relacionamento com a criança inteiramente diferente: o envolvimento emocional dela com seu filho é imediato. No método tradicional, quando a mãe fica no ar, só vendo a criança no dia seguinte, há uma defasagem no relacionamento entre os dois. Em geral, as mães precisam de um pouco de tempo para sentir que seu filho nasceu.

Concordando, mas discordando com a nova técnica – enquanto o obstetra francês pensa basicamente na criança, o médico brasileiro pensa fundamentalmente na mãe – o Dr.Basbaum resolveu adotar o método Leboyer. Assim, no mês de julho, em São Paulo, quando todo mundo ainda discutia a validade desta nova maneira de fazer partos, nasceram pelo método Leboyer três crianças: Stefan, Cíntia e Juliana.

Para fazer estes partos, o Dr.Basbaum se preparou e preparou suas barrigudinhas:

– Treinei certos aspectos da penumbra, conversei com as barrigudinhas, dei o livro Nascer Sorrindo para que elas lessem, preparei-as, inclusive, para o caso de terem que fazer uma cesariana. Na hora do parto, como espero que o cordão pare de pulsar, inovei na técnica do Leboyer. Eu me perguntei: e agora, que é que eu faço com esta criança? Descobri que o melhor era ficar com o recém-nascido no colo. Antes de colocar o bebê no ventre de sua mãe, eu o seguro no colo e fico lhe acariciando. Tenho certeza que estes minutos na sala de parto permanecem para o resto da vida na memória destas mães. De resto, acho que ninguém pode fazer uma crítica do ponto de vista médico aos benefícios deste parto para a criança. De nada adianta toda esta metodologia se, ao crescer, esta criança viver num ambiente de conflito, onde pai e mãe vivem em desarmonia conjugal. Mas, comparando o relacionamento mãe e filho dentro do método tradicional dentro do novo método, seus efeitos são imediatos.

O Dr.Basbaum não entende que a mãe precise esperar quase dois dias para ver seu filho depois de nascido. Ele acha que as emoções da mãe já estão desenvolvidas para receber o filho no momento em que vai para a sala de parto, muito embora, diz ele, algumas mulheres sintam uma certa repulsa em segurar seus filhos assim que nascem:

– Não importa que o parto Leboyer não seja feito tal qual o médico francês o imaginou. Há mães que não conseguem apalpar seu filho enquanto existe o induto sebáceo que reveste a pele dele. No entanto, se a gente conversa com ela sobre a ideia, se cria o clima oferecendo penumbra e silêncio, mesmo mantendo a criança no colo do médico eu creio que se consegue minimizar a separação brusca entre mãe e filho.

Leboyer e seu discípulo brasileiro

Dr.Frédérick Leboyer esteve no Brasil em agosto. Ele veio ensinar sua técnica aos obstetras brasileiros, tendo feito, em São Paulo, uma palestra no Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa e projetado um filme de 20 minutos, feito em Paris, onde seu método foi apresentado. Na ocasião, teve um encontro com o Dr.Cláudio Basbaum. E o médico brasileiro mostrou a ele fotos dos seus partos feitos em São Paulo.

Olhando atentamente, fazendo comentários, de repente o Dr.Leboyer parou. Apanhou uma das fotos, olhou para o Dr.Cláudio e perguntou: “Luvas? Você usa luvas? Nada de luvas. As mãos têm muita coisa a dar… As mãos são decisivas, têm muito a transmitir, e as luvas bloqueiam.”

No fim do encontro, o obstetra brasileiro disse: “Aquele livro não é a metade do que ele é. Eu senti, ouvindo Leboyer, que não é fácil captar o que ele escreve, o que ele diz. Nós precisamos estar preparados. Porque o parto Leboyer não é uma técnica, é um estado de espírito. É tudo muito lindo e muito lógico. Há uma influência poderosa da filosofia hindu. Ele me explicou, como eu já percebera, que não se trata de acrescentar coisas à teoria do parto. Mas de acrescentar poesia ao parto. Eu estava pensando no parto enfocando o ângulo da mãe… mas ele está voltado quase exclusivamente para a criança. Ele me disse: ‘A criança é que deve comandar’, na hora do parto. É difícil explicar o que ele disse. A gente deve sentir o que ele disse. Eu senti.”