gravidas-f1b2a A gravidez, embora seja vista como “fato comum”, ainda  conserva seu processo  como um mistério, uma nova fronteira do conhecimento a ser vencida e que envolve  os mecanismos de formação do vinculo da mãe com o seu bebê, ainda antes de nascer.

Numa gestação, a mulher , como também seu bebê,  não é um ser passivo. Seu corpo e modo de vida sofrem mudanças e adaptações em função do novo ser que carrega dentro de si e  embora faça parte dela, já tem sua própria identidade.São mudanças intensas, maiores que as que ocorrem p. ex., na adolescência, no casamento ou na menopausa, todas, crises previsíveis para sua história de vida.

Ser “mulher-mãe”, experiência vital da existência humana com a qual todas as mulheres, em maior ou menor grau se identificam, não pode ser traduzida pelas palavras mas pode ser captada  pela intuição e pelas sensações que giram no universo do psiquismo feminino. Conectar-se insintivamente com a experiência maternal, requer abrir seu coração para o primordial, primitivo, sensorial, para poder viver intensamente e com liberdade,este estado alterado de consciência que envolve a gestação , o parto- com a consequente chegada de um novo ser- e o puerpério, quando floresce intensamente o sentimento feminino.

É oportunidade de superação, de crescimento pessoal e de surgimento  dos laços com seu bebê. Mas, as alterações que ocorrem na gravidez exigem também profundos reajustes na relação com seu mundo exterior – marido,  pais, amigos, trabalho, a sociedade como um todo- aos quais deverá adaptar-se adequadamente, em função de sua biologia, seu psiquismo e  do componente social e cultural em que vive. A resposta do entorno da mulher gestante é extremamente variável e imprevisível, às vezes até mesmo de negação, podendo gerar efeitos danosos sobre a saúde física e emocional do binômio mãe/bebê.
Historicamente e até há pouco tempo, feminilidade, atração sexual e maternidade eram conceitos que não se harmonizavam adequadamente.

As mutações no comportamento social através do tempo e das variadas culturas, fez com que a mulher grávida, ora fosse vista com reverência, ora como um encargo pesado , causador de grande embaraço para ela e seu meio. (Mulher em “estado interessante”, “embaraçada”…). Hoje buscamos oferecer a experiência da gestação e  da maternidade como um todo, com muito  mais liberdade e qualidade do que tiveram nossas antepassadas. A mulher contemporânea cobra – ou deveria cobrar – o direito de ter a mesma atenção às suas necessidades psicológicas e sociais, que eram sempre e apenas, disponibilizadas aos aspectos biológicos pelo qual passa seu corpo nestes momentos tão singulares.

A gravidez e o nascimento de uma criança, embora sejam “o milagre do cotidiano“, se revestem da maior complexidade que qualquer realização humana, podendo trazer consigo alegria ou penosos problemas para a mulher, seu marido e para a relação do casal.

Apesar da imensa parcela do instinto, a gravidez é momento de crise, de mudança de identidade e exercício de novos papéis, plena de ambivalências afetivas , ameaças (perigo), promessas (oportunidade para seu desenvolvimento pessoal), de “quero / não quero”…

Poderíamos dizer que é uma espécie de  estado neurótico temporário, estado de equilíbrio instável que dura 9 meses e se estende ao pós-parto, momento de desequilíbrio e vulnerabilidade em sua adaptação, ao  novo papel:  a transição de menina-mulher-mãe.

Por analogia, lembro que quando as lagostas estão em fase de crescimento, precisam perder a casca para poder expandir seu corpo. Para tanto, embora tentem  se esconder nas pedras do fundo do mar , é  neste período,, enquanto se cria a nova casca protetora que ficam expostas a ação dos predadores que ameaçam a sua existência. Assim ocorre com todos os seres vivos, que ficam frágeis e vulneráveis nos momentos de crescimento, transformações e expansões pessoais.

Mulheres grávidas sempre jovens, bonitas, elegantes e felizes são um mito!  Ansiedades, inseguranças, medos, fantasias e sonhos ameaçadores são igualmente frequentes, associados a fatores concretos,tais como deconfortos, limitações, privações afetivas, sociais, profissionais e econômicas. Já o parto,  traz o encontro com o desconhecido, “um mergulho na escuridão”. O novo assusta, tanto a mãe quanto seu bebê!

Podemos, numa certa medida,“preparar” a mulher grávida, física e emocionalmente para receber seu bebê. Mas, como preparar o bebê durante os 9 meses de sua peregrinação? A criação de uma vida nova é momento mágico, único, irrepetível. Durante sua “viagem” este pequeno ser vem sendo carregado de estímulos e munido de informações que o preparam para chegar ao seu “novo mundo, à sua “nova realidade” na terra.

Até o momento do nascimento, a única “realidade “do feto é o universo vibracional da futura mãe.

A “nave” onde o bebê encontra-se habitando, submerso, desde que foi gerado, pode ser um mundo seguro, um verdadeiro paraíso, ou um mundo hostil, quando recebe estímulos físicos e psíquicos negativos que o deixa inquieto e “infeliz”.  Mesmo na vida intra-uterina, ainda com seus “sensores” ainda imaturos e sem o desenvolvimento intelectual, já revela capacidades “intuitivas” sutis, de identificação e é dotado de memória molecular (genética).

É com a tomada de consciência da gestante, quando reconhece o seu bebê “mais real”, que surge e cresce a atitude maternal.  Entrar em sintonia, mandar “mensagens” e “conversar” com seu bebê como “uma pessoa de verdade” é essencial na formação e estruturação da sua personalidade, exercendo assim, uma influência positiva no desenvolvimento afetivo da criança.

Um dia ouvi uma gestante perguntar ao meu mestre, o obstetra francês, Frederick Leboyer, – criador do conceito e autor do livro “Por um nascimento sem violência” -editado  no Brasil  com o título “Nascer sorrindo”  , como ela poderia ajudar seu  bebê ainda no útero e ele respondeu – “cante para seu bebê!”

Diferentemente do que se pensava, e embora algumas afirmativas tenham caráter especulativo, a gestante pode dar carinho, esperança e começar a “educar” a criatura humana ainda no estágio da vida intra-uterina. Numerosas pesquisas, referidas pelo meu mentor em psiquismo fetal, o psiquiatra canadense Thomas Verny, autor da obra “A vida secreta do bebê antes de nascer ” e fundador da “Associação Norte-Americana de Psicologia pré e peri-natal” revelam que “a criança ainda não nascida é um ser sensível, tem emoções, está atenta e tem memória.”Ela pode , entender, tocar seu corpo ,sugar os dedos, degustar e escutar ” in-utero” manifestando  até mesmo preferências musicais…!”.

É momento em que começa a se desenvolver a fusão (“vínculo”, “bonding”) entre feto e mãe, com total dependência do mesmo, apesar de virem a  ocorrer  dois  importantes momentos de separação ou “rotura”— além da separação física do momento do parto/nascimento —- : o 1º – Fase da “mãe canguru” – que vai até os 9 meses após o nascimento, representada pelo início da capacidade de locomoção /autonomia do bebê, – ou seja, os humanos requerem 9 meses “in útero” e mais outros 9 meses até alcançar uma autonomia relativa- (muitos mamíferos a alcançam com poucas horas ou  dias após nascer) e a 2ª rotura, que ocorre em torno dos 2 anos, com a aquisição da linguagem verbal.

O momento do parto é critico, irreversível, sem controle e nós temos obrigação de permitir que a parturiente participe de forma efetiva, com liberdade e lucidez, sempre que possível, ao lado de seu companheiro, na primeira acolhida , na primeira integração social de uma criatura que chega ao mundo. Este momento pertence-lhe e ao seu filho e não ao médico e sua equipe. Entendemos que uma criança é em geral, produto da relação de amor entre um homem e uma mulher e sua chegada deve sempre ser vista como uma “festa de família” e comemorada por ambos com o “ritual do nascimento”.

A bem da verdade, entretanto, nem sempre é “tudo é festa”. Problemas imprevistos podem surgir, antes, durante e após o parto. É indispensável o apoio do companheiro, da família dos amigos mas principalmente com o suporte competente ,l participação atenta, com cumplicidade e afeto do obstetra (“ob-stare”= estar ao lado).

Este deverá sempre fornecer informações antecipatórias tranquilizadoras ,mas sempre  realistas, já que nos primeiros dias -e muitas vezes, por muitos mais dias – à parte das alegrias e descobertas- existem dificuldades para amamentar, falta de sono ou sonolência, fadiga, dores ou desconfortos nos partos cirúrgicos ou na episiotomia, mal humor, conflitos conjugais e familiares, tristeza, melancolia (“blue”) e mesmo depressão nos mais variados graus, além de eventuais problemas graves na saúde do bebê e da mãe.

De fato, faz todo sentido a expressão que estamos acostumados a ouvir – “ser mãe é padecer no paraíso “.

Prof. Dr. Claudio Basbaum
www.claudiobasbaum.med.br