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Existem diferentes fatores que precisam ser levados em consideração no momento de trazer um bebê ao mundo. De forma que é fundamental, por exemplo, que a equipe que presta assistência ao parto: médico obstetra, obstetrizes, enfermeiras obstétricas – independentemente das determinantes biológicas da gestante – além das orientações adequadas para propiciar uma gestação saudável, ofereçam também as condições favoráveis ao parto e ao ato do nascimento, e atingir seu objetivo final, que é, acolher com segurança um recém-nascido saudável, apto e capacitado para um pleno desenvolvimento bio-psico-social futuro.

Entretanto, apesar do progresso médico e tecnológico ter dado a cesariana uma importante redução nos agravos à saúde e na mortalidade de mãe e bebê em relação ao passado, os riscos de repercussões imediatas e tardias (hemorragias, infecções, embolia pulmonar, problemas anestésicos), sejam físicas ou emocionais, consequentes a esta forma cirúrgica de nascer, ainda são maiores que no parto normal, principalmente em locais mais carentes e de menor recurso médico-hospitalar.

O fato é “Como uma maravilhosa intervenção de salvamento se converteu numa maneira banal de nascer?”, questiona o obstetra francês Michel Odent, um dos pioneiros do parto natural, contemporâneo de outro internacionalmente conhecido obstetra francês, Frederick Leboyer , criador dos princípios do “nascimento sem violência”.

É contra esta trivialização da cesárea, por indicações muitas vezes questionáveis, que nós, obstetras e gestantes, devemos refletir, já que a frequência dos partos cirúrgicos aumentaram muito em todos os cantos do mundo, com frequência muito variada de critérios nas indicações, levando em conta, fatores como diferenças no nível social e econômico das pacientes, padrão dos hospitais, obstetras, países ou cidades. Há também um aspecto que não pode ser esquecido: a “cesárea `a pedido”, uma demanda que tem seu espaço próprio e deve ser respeitada, mas que requer uma avaliação consciente, serena e compartilhada com o casal. O desejo da gestante deve ser respeitado quando ficar evidente que ela não se sente “preparada” para dar à luz por um parto vaginal normal.

Seja como for, compete a equipe obstétrica, esclarecer com bases científicas, dados estatísticos, riscos e benefícios, a opção da via do parto que deve ser definida.

Em quais situações a cesárea é realmente indicada?

Devemos enfatizar que a cesariana é uma cirurgia, que deveria ser realizada apenas em casos específicos com indicações absolutas, tais como, prolapso de cordão umbilical, sofrimento fetal, desproporção real do tamanho do bebê em relação à pelve (bacia óssea), posição fetal invertida ou inadequada do bebê, placenta prévia total, descolamento prematuro da placenta, infecção por herpes genital, hipertensão materna mal controlada, pré-eclampsia, diabetes…

Como em qualquer cirurgia, os riscos de recuperação são maiores, o que aumenta o cuidado com todos os procedimentos. A anestesia mais desejável é a raque ou peridural, mas em condições excepcionais, pode ser necessária a anestesia geral.

Conforme resumo publicado em fascículo do Ministério da Saúde (- Área Técnica da Mulher -“Parto, Aborto, e Puerpério- Assistência Humanizada à Mulher”- ISBN:85-334-0355-0 – 2001 ), dentre os riscos potenciais, comparando o parto normal com a cesárea, podemos mencionar que na cesárea são maiores as chances de: incidência de prematuridade, alterações respiratórias fetais, dor após o parto, complicações mais frequentes, infecções puerperais, tempo para iniciar o aleitamento, tempo de recuperação, risco de morte e maior risco nas futuras gestações.

Por outro lado, existem situações nas quais as indicações para dar à luz por cesárea são discutíveis e podem ter motivos que vão desde a experiência do médico até a certos padrões de protocolo de um determinado hospital, informações e desinformações acessadas pela gestante e/ou seu círculo de amizade ou familiar, etc. São as indicações relativas, sobre as quais me detenho em alguns itens:

Falta de dilatação

É uma das mais frequentes indicações que podem ser “duvidosas” para realizar uma cesárea, muitas vezes associadas a ” lentidão” na dilatação do colo do útero e, consequentemente, na progressão do parto. Entendo, que muito frequentemente, está associada ao desconhecimento sobre a fisiologia do parto ou mesmo, outros interesses na indicação para um parto cirúrgico. Mas, como analisa ODENT, se é para prevenir eventuais repercussões sobre o bem-estar do bebê e reduzir os riscos de intervenções difíceis por via vaginal com aumento de problemas para os bebês, nos rendemos a esta indicação tão frequente de cesarianas.

Bacia estreita

Está associada a “desproporção” da cabeça do bebê ser “grande “para a bacia óssea da mãe – E um conceito muito vago; a adaptação do crânio do bebê depende mais da posição e vai se moldando à medida que o parto avança.

Placenta envelhecida

Em determinadas condições clínicas maternas como diabetes, doenças autoimunes, hipertensão arterial ou distúrbios vasculares, ou em consequência de hábitos não saudáveis como uso de drogas, tabagismo e alcoolismo, pode ocorrer a maturação ou “envelhecimento” placentário antes do tempo, em razão do comprometimento circulatório dos vasos placentários, o que causa a insuficiência placentária. Esta condição, que não dá nenhum sintoma na gestante, compromete todas as trocas circulatórias entre mãe e bebê , seja dos nutrientes , quanto da oxigenação fetal intrauterina, levando à restrição do crescimento intrauterino do feto (RCIU), e até mesmo ao óbito do mesmo se não for diagnosticado corretamente, através de ultrassonografia especializada e exames laboratoriais específicos, para que seja indicada uma cesárea eletiva e em tempo.

Cordão enrolado no pescoço

O cordão umbilical é uma espécie de fio condutor que contém uma veia e duas artérias por onde se fazem as trocas de nutrientes, gás carbônico e oxigênio entre sangue materno e fetal dentro da placenta. Dá-se o nome de “circular de cordão” quando o mesmo, no final da gestação se “enrola” em torno de partes fetais – braços, coxas, tronco e o mais comumente, no pescoço e não é tão raro quanto se pensa. Graças ao comprimento do cordão, as circulares não impedem, na maioria das vezes, que ocorra um parto normal, até porque, em geral estas circulares não estão apertadas. Uma circular suspeitada ao ultrassom durante o pré-natal não condena uma gestante a uma cesariana: deve-se fazer a vigilância e monitorização da vitalidade fetal para reconhecer se estão ocorrendo repercussões desfavoráveis sobre o mesmo. Nestes casos, para prevenir que a redução no fluxo do sangue leve a complicações neurológicas no bebê, está indicada a cesárea.

Bebê passou da hora

Por definição, toda gestação que atinge 42 semanas completas (ou 294 dias), a contar do 1º dia da última menstruação (DUM), chamamos de “gestação prolongada”. Deve-se dar o devido tempo para que a gestante entre naturalmente em trabalho de parto, evitando precipitar a chegada do bebê, ou seja, antes da 39ª semana completa, assim como respeitar o ritmo de cada nascimento, que varia para cada parto.

Desde o curso da 41ª semana, mesmo diante de uma gestação saudável, a monitorização das condições fetais deverá ser feita mais amiúde, como forma de prevenir complicações consequentes ao envelhecimento placentário (pós-datismo). Caso não se desencadeie o trabalho de parto na 41/42a semana, estamos autorizados a promover uma “indução de prova” com medicamentos e caso não evolua adequadamente para um parto vaginal, estamos autorizados a realizar uma cesariana.

Gestante já realizou uma cesárea antes

Devemos sempre lembrar que o antigo conceito de “uma vez cesárea, sempre cesárea”, mencionado há um século, atualmente deve ser sempre questionado com todo critério, analisando cada caso individualmente.

O histórico de apenas uma cesárea anterior tecnicamente bem realizada, em princípio, um parto normal vaginal não eleva o risco de complicações materno-fetais, que acontecem em menos de 0.5%. Além do parto vaginal bem conduzido ser mais seguro, previne a ocorrência de problemas consequentes às cesáreas de repetição, como por exemplo, a inserção baixa da placenta e o acretismo placentário (condição na qual a placenta se implanta e adere ao músculo uterino, impedindo sua separação do útero no pós-parto.

Veja a matéria publicada no portal Minha Vida.