O livro fez sucesso na França, causou polêmicas, foi criticado. O Parto Leboyer mostrava uma nova tese a respeito de nascimentos. E o “parto no escuro” , como ficou sendo conhecido, já está sendo feito no Brasil. Esta é a história dos dois primeiros partos Leboyer feitos em São Paulo.

B em que ele, o monsieur Leboyer, apesar de ser um senhor tímido, apaixonado pelo Oriente, gostaria de ouvir estas moas paulistas falando sobre ele… o monsieur Leboyer. As duas moças estudam Psicologia e dizem que seria bom ter um filho… à luz das teorias de monsieur Leboyer, é claro. Tão apaixonadas, que poderiam entrar para o clube que um psiquiatra paulista pensa criar: o clube Leboyer. Vamos surpreender o que diz uma das moças, que tem três filhos, e que viu há pouco um parto tradicional

a chegada a um novo mundo sem choque


–– Ó, eu juro que tive vontade de pegar aquele bebezinho, e cuidar da criança, apagar a luz da sala de parto, pegar a criança e botar no colo, pobre do nenê… estava desesperado…

–– E do seu parto, você se lembra?

–– A emoção que senti! Mas na hora eu queria pegar meu nenê, sentir meu nenê, mas não pude, ah, não sabia de Leboyer nem nada, mas sentia que alguma coisa não ia bem.

Pois foi isto que sentiu um dos principais personagens desta história, o doutor Cláudio Basbaun, quando leu um artigo da revista francesa L´Express, em fevereiro deste ano. Sim, aquele doutro francês, Frederick Leboyer, parecia ter muita razão em muitas coisas! Mas não é um simples artigo bem escrito, que muda a vida de um profissional de sucesso, com 12 anos de profissão, cursos na França, etc. Dois meses depois, o doutor Basbaun recebeu o presente de um amigo: “Por um nascimento sem violência”.

O livro tem 152 páginas de letras gordas, muitas fotos de nenês felizes nascidos com as teorias de Leboyer, e o doutor Cláudio não teve nenhum trabalho em lê-lo em poucas horas. Era um livro estranho, escrito em uma linguagem poética, muito estranho mesmo. Seguramente, nem todos os médicos estariam dispostos a ter paciência para com este senhor Leboyer, que dedicava o livro e seu trabalho científico a Sans Sw, místico do Oriente. Mas o doutor Cláudio ouviu e aceitou o que pode ser chamado de um relato das opressões que sofre o nenê, na hora do nascimento. Apesar de algumas restrições, o doutor Leboyer tinha muitas idéias justas. Guardou o livro. E resolveu levar à prática as teorias do francês.

E começou a falar com suas “barriguinhas” a respeito de tudo isto. O trabalho de parto seria feito normalmente, dentro dos cuidados da “melhor medicina de hoje”, porém…


–– Vamos preparar uma verdadeira festa para o nenê… e ele chegará em uma sala na penumbra… não receberá uma luz forte nos olhos… e o seu nenê chegará em uma sala silenciosa… assim estaremos protegendo os seus olhos e os seus ouvidos… mas também evitaremos tapas desnecessários, que o nenê muitas vezes recebe… você receberá o nenê sobre sua barriga… e você poderá (e deverá) brincar com ele… você fará com suas mãos, assim e assim, certos movimentos muitos delicados, que ele certamente vai adorar, porque serão movimentos semelhantes aos que fazia seu corpo lá dentro… e, depois de algum tempo, ele será levado para uma banheirinha com uma água muito gostosa – o seu nenê está vivendo agora em um mundo líquido, e vai gostar deste passeio por um mundo líquido outra vez! E depois ele será colocado em uma fraldinha especial, de um tecido leve, previamente aquecido sobre um travesseiro elétrico (o doutor falava e as futuras mães arregalavam os olhos. Então parto não era coisa ruim?…

Foi uma deliciosa corrida de obstáculos… Jogo… Competição sem competição… Qual das barriguinhas – é assim que os obstetras chamam suas pacientes – seria a primeira a ter as emoções do novo parto? O bip do doutor Cláudio (o obstetra é um escravo deste irritante aparelhinho que faz bip-bip-bip, e que poderá avisá-lo que algumas de suas pacientes estão por dar a luz), soou, desta vez, exatamente ao meio-dia de uma sexta-feira… E o doutor foi voando para um hospital de São Paulo… A corrida – brincou com sua colega Xenofonte Paulo Rizzardi Mazzini, de 27 anos, que o acompanharia no trabalho de parto – tinha sido vencida por Virgínia, uma menina de 24 anos, secretária, que às vezes parece saída de uma pintura holandesa do século 18 – e que estava muito ansiosa por ter um nenê… principalmente uma menina, como era gosto de seu marido. No caminho para o hospital, o doutor Cláudio pensava na sua primeira sensação, na hora em que leu o artigo da L´Express… Mas o que Leboyer dizia era tão simples! Sim, muito simples, mas ninguém havia pensado antes nas soluções que ele apontava, para atenuar os traumas do parto. A psicanálise tem um texto clássico a respeito do assunto, O Trauma do Nascimento, de Otto Rank… mas Rank trata dos traumas que o nenê sofre por sair do mundo protegido da barriga da mãe para o mundo dos homens… Quanto ao obstetra, na verdade a única preocupação de um bom profissional sempre foi a de fazer a criança nascer bem, quer dizer, em boas condições físicas

O doutor chegou ao hospital, trocou de roupa no vestiário, e com o uniforme verde, ele e Xenofonte entraram na sala de parto, depois de explicar à equipe que seria um parto especial, assim e assim.

Às 16 horas, ouvia-se na penumbra da sala de parto o chorinho de Cíntia. Quase à mesma hora do dia seguinte, ouvia-se o chorinho de Stefan, filho de Leonor. A receita do doutor Leboyer foi seguida. A cialítica – um aparelho grande que despeja mil velas nos olhos do nenê – não iluminou a sala naquela hora.

Mil velas! Por que você não experimenta olhar para mil velas? Faça a experiência: feche os olhos uns minutos, abra!, olhe para uma lâmpada acesa de 150, 200 velas. Pense agora nas mil velas nos olhos daquele ser que veio da maior escuridão que se puder imaginar.

Virgínia – quando viu Cíntia, dois minutos depois de nascer, pousada em seu ventre – começou a acariciá-la, do jeito que o doutor Cláudio havia ensinado. Gostou de pegar naquele corpo escorregadio como se fosse peixe de aquário, e aquela gordurinha toda ficou em suas mãos. Seu ventre havia sido preparado pelos médicos para a missão. Passaram um algodão com fisoex, um antisséptico e mertiolate. Foi tão bonito que Virgínia chorou.

Leonor é uma moça morena, de 31 anos, que por muito tempo não pensou em ter filhos… Pois acariciava Stefan, que explorava – muito atento – o corpo da mãe, e que deixou o chorinho manso pelo silêncio, e levava a mão direita ao seio de Leonor…, que no meio deste carinho todo dizia: “é gostoso, é gostoso”.

E ela achava o seu nenê um ser muito interessante, com um tórax forte, com os ossinhos todos tão bem dispostos… como ela tinha gerado um ser tão perfeito, não era incrível? Em um momento, Leonor ficou tão interessada nas proezas do nenê Stefan, que parou de fazer os carinhos-Leboyer, e qualquer coisa, e ficou olhando para ele, pensando que certamente ele era muito diferente de tudo o que pudera imaginar de um nenê… Era tão independente! Isto lhe agradava. O pai, um negociante alemão, ficaria orgulhoso de um nenê tão ativo… Foi aí que os braços do doutros Cláudio o levaram para uma bacia azul… Stefan, de olhos abertos, divertiu-se feito um sapinho. Bateu as pernas. Mexeu os braços. Até agarrou o casado do doutor. Chorou um pouco na hora de sair da água.

Leonor olhava para o seu nenê com uma cara de espanto. A mesma cara de Virgínia. Diagnóstico dos doutores Cláudio e Xenofonte… elas estavam apaixonadas por seus nenês. Por quê? Porque neste parto a mãe sentia-se mais ligada ao nenê. Ela fazia coisas naquele primeiro momento da vida… aqueles carinhos… Porque, na verdade, o momento da concepção é uma hora mágica. Mas nem todas as mães podiam sentir aquele instante como uma hora mágica… porque o encanto quebrava-se na hora em que o nenê aparecia no mundo, e rapidamente desaparecia da sala… e voltava todo embrulhado. E o doutor Cláudio podia lembrar que, quase sempre, as mulheres diziam: “o parto foi maravilhoso, doutor, não senti nada. Nada”. Então podia ser bom isto, o nada? Aí estava a chave: Leboyer fazia uma gentil proposta às mamães: por que não sentir coisas gostosas naquela hora que poderia ser mágica?

Ora, o doutor Leboyer vê todas estas coisas muito do ângulo do nenê… o nenê é já uma pessoa – diz ele – uma pessoa que deve ser respeitada. Uma pessoa que só tem uma forma de se expressar… chorando. E que grita e chora porque quase sempre é agredida… pela luz, pelos ruídos, pelos tapas.

Já o doutor Cláudio sente as coisas pelo lado da mãe. Como é próprio de um obstetra. Ele acha que a mãe que vive as experiências do parto Leboyer tem uma vivência emocionante, que a liga mais rapidamente ao nenê… queimando etapas em um processo de relacionamento, que às vezes leva muitas semanas para chegar até à maturidade de um grande amor.

Ângulo da criança? Ângulo da mãe? O importante – diz o doutor Cláudio – é que em uma ou em outra perspectiva, o resultado é o mesmo: mãe e filho conseguindo um melhor relacionamento a partir do próprio momento do parto.

Mas há um ponto em que os doutores Xenofonte e Cláudio divergiram de Leboyer. Este recomenda que a criança seja colocada sobre o ventre da mãe quando o seu cordão umbilical ainda está pulsando. Os médicos brasileiros seguiram a rotina: ficaram com a criança “abaixo do nível materno.”


–– É que nós estamos preocupados com a dessangração da criança, isto porque o cordão pulsa do lado fetal para o lado materno. Então resolvemos adaptar as ideias de Leboyer: a criança ficou em meu colo – diz o doutor Cláudio – e eu fiquei fazendo carinhos nela até o cordão parar de pulsar. Neste momento, eu cortei o cordão, peguei a criança e coloquei sobre o ventre da mãe. Tudo em mais ou menos um minuto.

Uma semana depois que Cíntia e Stefan nasceram… todos se encontram no Pacaembu, em São Paulo. Todos, isto é: Virgínia (que vai deixar de ser secretária, para trabalhar só para… Cíntia!), seu marido Sérgio, a própria Leonor, que dentro de um mês volta para a Alemanha, de onde veio só para ter seu filho no Brasil, e mais os doutores Cláudio, Xenofonte, e o editor Caio Graco Prado, que lançou o livro de Leboyer no Brasil… e que muito queria conhecer as primeiras mamães-Leboyer, no Brasil… e mais os grandes nomes da noite… naturalmente, Stefan e Cíntia.

No bolso de Cláudio chegou uma novidade: as páginas de uma revista Elle, da França, com cartas a favor e contra Leboyer. O que as cartas favoráveis diziam, todos imaginavam; as outras falavam que o parto Leboyer era um “conto de fadas” (risadas), cheio de “riscos”.


–– Riscos? – falou Cláudio – mas a criança e a mãe recebem a mesma assistência que devem receber em qualquer parto normal? Certo? E, além disto, mãe e filho podem trocar carícias.

Para alguns colegas médicos, que queriam saber detalhes técnicos a respeito do parto, ele explicou, em síntese, que para falar do parto de Virgínia, como exemplo, ela estava em trabalho de parto programado… “E a data do parto já estava se excedendo em dez dias… A altura uterina da paciente era pequena e deixava dúvidas quanto à maturidade do feto. Ela foi, então, submetida a uma punção intra-uterina… foi aspirando líquido da bolsa e o líquido foi submetido a uma série de exames e testes… Assim eu pude, tranquilamente, induzir o parto, que foi feito com anestesia peridural… logo, indolor.


–– Ora, de que perigos estão eles falando? – perguntava o doutor Cláudio, mostrando as páginas da revista. Eu, da minha parte, se não puder fazer um parto exatamente na receita de Leboyer (com as minhas adaptações), não me sinto em condições de permitir que se faça barulho na sala, ou de que os olhos do nenê sejam feridos pelo excesso de luz… Aquela penumbra e aquele silêncio foram muito agradáveis também para nós, médicos. A gente viveu um momento muito bonito. E o nenê recebeu muito amor de todos. É o que diz Leboyer: “de que vale a técnica sem o amor?”

Virgínia e Leonor não entenderam as críticas a Leboyer. Elas querem ter outros filhos. Mas com uma condição: com carinhos, com o banho e as fraldas aquecidas, com o silêncio e a penumbra. Sem violência.